Eduardo
Cintra Torres
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Estudo de caso: o tom das manchetes do 24 Horas |
No início do seu Governo, Lopes disse numa reunião fechada com pessoas do seu partido que tencionava intervir forte e feio nos media, o que veio a suceder: substituição de Henrique Granadeiro por Luís Delgado na administração da Lusomundo Media (PT); afastamentos de Rebelo de Sousa, de Rodrigues dos Santos e da direcção do DN. Havendo pressão, percebe-se a mudança de tom nas manchetes no 24 Horas, do grupo PT. Não foi crime, apenas uma táctica de sobrevivência. Mas, às minhas breves palavras factuais sobre o caso, correspondeu uma reacção violenta do director do 24 Horas, que o envergonha a ele e ao jornalismo. Na sua coluna de director “Notas do Dia”, em 8 de Março, Pedro Tadeu nega a minha afirmação e escreve a meu respeito, com uma arrogância e má-educação inaceitáveis para um director de jornal: “ou é parvo (...) ou estuda pouco”. Há gente desta fazendo jornalismo e chegando a direcções e administrações de jornais. O 24 Horas tem feito um interessante percurso como tablóide: centra-se em casos pessoais pelo lado emocional e adopta pontos de vista espelhando o que julga ser a posição das “massas” sobre os assuntos. O caso é tanto mais interessante quanto Tadeu é simpatizante do PCP, o que origina um raro “tablóide de esquerda”, sendo suposto que o sensacionalismo inculca e reforça ideologias conservadoras no “povo”. O 24 Horas teve manchetes críticas ou ridicularizando Santana Lopes, mas a certa altura o tom mudou. Tadeu tenta escondê-lo. Tomou até a dianteira de mistificar o seu próprio passado: no dia seguinte à maioria absoluta do PS, o jornal reproduziu as suas manchetes com Santana, como se fossem um troféu. É invulgar um diário fazer gáudio do seu suposto palmarés contra um dirigente político. Analisando essas manchetes, concluí que Tadeu pretendia justificar-se e mistificar o seu passado com um exagerado anti-santanismo, como se essa declaração, semelhante às dos “antifascistas” nascidos a 26 de Abril, lhe fizesse crescer pêlos no peito. Precisava desta glória curricular. O meu apontamento de segunda-feira, contrariando o “passado” adquirido à força, fê-lo passar ao ataque; e voltou a publicar a “prova” do seu anti-santanismo: as manchetes. Vamos, então, a elas. É interessante analisá-las aqui como exemplo de como se concretiza hoje nos media a pressão política. E pena é que não haja blogues que se dediquem sistematicamente a este tipo de análise detalhada. Podemos dividir as manchetes em favoráveis, desfavoráveis ou neutras. O 24 Horas publicou manchetes desfavoráveis a Santana Lopes até Agosto. Por exemplo: “Santanete arma bronca com a polícia em São Bento” (30/07) e “Santana contrata profissional do jet-set” (17/08). Mas daí até à dissolução do Parlamento mudou o tom. A manchete de 18 de Setembro, “Santana é o mais pobre do Governo” pode considerar-se neutra ou até favorável. A “Nota do Dia” de Tadeu sobre o tema era bem simpática para Lopes: “Alguns enriquecem com a política. São de desconfiar. Santana não o fez. É um facto.” Em 01/11, a manchete “Chefe de gabinete de Santana promove negócio do marido” não visa o então primeiro-ministro. Em 18/11, a manchete é simpática para Santana, pois ele “tem de ser operado” porque “sofre de uma hérnia inguinal”. Esta foi a última manchete com Lopes antes da dissolução. Só depois regressa o tom desfavorável. Há, assim, três períodos nas manchetes com Santana no 24 Horas: até Agosto são tendencialmente desfavoráveis; até à dissolução do parlamento quase desaparecem, são neutras ou favoráveis; depois da dissolução são quase sempre desfavoráveis. O que sucedeu que justifique a mudança de tom de Setembro a Novembro? O próprio Tadeu dá uma pista importante numa “Nota do dia” de 11/09 sobre a saída de Granadeiro: com ele, o 24 Horas teve “toda a liberdade”; Granadeiro estava “disposto” a ser “implacável perante obscuros interesses corporativos”. O texto pressupõe ameaças à liberdade e acções de “obscuros interesses” contra o 24 Horas. “É preciso quase ser-se um herói”, terminava Tadeu. Três dias depois (14/09) são nomeados administradores da Lusomundo Media: um braço direito de Santana, Delgado, e Bettencourt Resendes, que alinhou na estratégia de Delgado. As manchetes anti-santanistas desaparecem. Nem mesmo o que outros já chamavam as “trapalhadas” de Santana merece destaque. O saneamento de Marcelo só consegue menção na primeira página e o director, escrevendo sobre ela, nem refere o Governo nem eventuais pressões sobre a TVI. A saída de Henrique Chaves do Governo só mereceu um pequeno título na capa. Neste período houve mais simpatias a Santana na primeira página. A irmã de Lopes diz (02/11) que ele “tem um óptimo coração” e que nos momentos difíceis lhe telefona “para lhe dar um beijinho”. Dias depois (15/11), o jornal chama à capa uma “fã de Santana”. E no interior outra fã confessa que chorou de alegria ao ver Santana líder. Só em 1 de Dezembro, depois de a dissolução confirmar o fim de Santana, o 24 Horas usa em manchete a palavra “trapalhadas”. Em resumo, entre o afastamento de Granadeiro e a dissolução do parlamento, o 24 Horas alterou o tom com que tratava Santana Lopes e a governação. O meu artigo anterior continha esta análise em 17 palavras. É curioso que Tadeu me ataque agora que as eleições afastaram Santana (mas não o seu administrador Delgado), pois não fui o único a estabelecer a relação entre as pressões santanistas e o 24 Horas. Num excelente artigo no Expresso, Nicolau Santos escreveu: o saneamento de Granadeiro “foi o primeiro passo na escalada de domesticação da comunicação social” por Santana e resultou de uma decisão da PT “atabalhoada e sob pressão”; a irreverência perante o poder do 24 Horas estava ameaçada, como todos os media da PT, pelas “pressões”. E assinalava a “diferença entre quem sente as pressões e as aceita e quem as sente mas as recusa”. Este artigo referindo implicitamente as pressões de Delgado, moço de recados de Santana, sobre o 24 Horas e outros media da PT, não chamou a atenção de Tadeu nem motivou os seus insultos, ao contrário das minhas 17 palavras. É que agora Tadeu já pode ser “quase herói”. Era mais difícil quando outras pessoas revelavam a natureza brutal do santanismo. O artigo de Nicolau Santos saiu em 9 de Outubro, no período mais terrível do santanismo – o mesmo período em que Santana Lopes foi poupado pelo 24 Horas. |