Eduardo Cintra Torres

Telejornalismo com Brinde


A campanha eleitoral na televisão é em parte aquilo que os partidos querem que seja. Não se pode pedir aos repórteres que falem de temas que os candidatos ignoram. O nível do discurso político transpõe-se para as reportagens.

Ao mesmo tempo, os telejornalistas estão mais vocacionados para valorizar a mecânica e o espectáculo dos actos de campanha do que o discurso político. O tipo de reportagens coincide com a estratégia de campanha dos partidos, do BE ao PP: consuma-se a substituição de novidades no discurso político pela criação de situações que proporcionem "video opportunities".

O blogue onde os repórteres da SIC colocam as suas impressões de viagem política com os candidatos é tanto um retrato das acções de campanha como do que os jornalistas esperam dela e acham importante ( http://diariodacampanha.blogs.sapo.pt ). Há ali opiniões sobre detalhes e descrições, mas quase nenhuma análise de política programática parlamentar e governativa ou da sua ausência. E há também, em alguns casos, uma coincidência entre a opinião escrita no blogue e o tom que se nota nas suas reportagens na TV. E aí reside uma questão importante: é que o blogue é um fórum adequado para a opinião, mas as reportagens televisivas não.

Os repórteres de todos canais deveriam informar com sobriedade. Os jornalistas televisivos estão demasiado opinativos e emotivos. São os repórteres-comentadores. Este acréscimo à factualidade é um brinde desnecessário.

É hoje ponto assente para todo o universo que faz e reflecte o jornalismo que a objectividade é impossível. Mas daí a deixar de lado o nobre esforço de se ser o mais objectivo possível vai um passo de gigante para o abismo deontológico.

O jornalismo televisivo tem a obrigação de ser mais impessoal e mais objectivo do que o de qualquer outro "media", porque os canais utilizam um bem de todos, as frequências nacionais, e são de acesso universal. Daí que o conceito de serviço público se aplique à informação dos canais públicos ou privados de acesso livre.

* * * Em tempo de eleições, os canais põem os galões de justiceiros no que toca à igualdade de tratamento dos partidos parlamentares. Mas o equilíbrio não se faz pelo número de minutos e segundos que dedicam a cada partido, faz-se pelo conteúdo das suas imagens e sons.

Pode, por exemplo, verificar-se nos noticiários da TVI um favorecimento do PP. E verifica-se também que uma boa parte dos repórteres televisivos tem feito um discurso claramente anti-Santana Lopes, o que hoje é bem fácil, dada a degradação a que chegou a pessoa política e a sua campanha e dada a espiral de opinião a seu respeito. Com a sua trapalhice habitual, Lopes referiu-se ao assunto e prometeu "provas", mas depois recuou. Poderia tê-las apresentado, mas deve ter percebido que ele mesmo sairia mal na fotografia. Longe de mim defender Lopes como político, personagem sobre quem escrevo aqui há pelo menos seis anos. Mas acho incorrecto que o jornalismo televisivo tome posição nas reportagens e nas "bocas" e gestos dos apresentadores dos noticiários. Bastava-nos que mostrasse e relatasse factos. * * *

Na cobertura eleitoral, verifica-se um tom de alguns repórteres no sentido de se considerarem superiores aos políticos; fazem da campanha uma brincadeira e falam dela com se fosse uma coisa de miúdos que temos de tolerar. Ora a campanha eleitoral é, para o bem e para o mal, um momento de encontro e confronto dos políticos com os cidadãos e com os seus adversários. Mais uma razão para nos mostrarem a campanha o mais próximo possível do que ela é, e não através dos seus comentários e opiniões, muitas vezes expressos pelos sorrisos e linguagem gestual dos repórteres.

Está hoje na moda dizer-se "mas os repórteres também são seres humanos", mas a isso se pode contrapor que "os seres humanos também são repórteres".

A televisão deveria deixar os comentários aos seus comentadores e recomendar aos repórteres que se atenham o mais possível ao factual. * * *

Os tempos de antena partidários na televisão são um paradoxo da comunicação política.

Os partidos focalizam a sua campanha nas acções destinadas aos telejornais, isto é, tratadas pelos intermediários do jornalismo. Mas, em simultâneo, fazem de sua própria iniciativa e livre vontade os tempos de antena mais chatos e repetitivos que se possa imaginar. Ei-los com dez minutos de televisão disponíveis e sem intermediários, de graça, quase todos os dias - e em vez de aproveitarem para fazerem boa comunicação política televisiva, parece que fazem os tempos de antena por favor e obrigação. É uma questão de incompetência generalizada das direcções e aparelhos partidários. * * *

As entrevistas de Constança Cunha e Sá aos principais dirigentes políticos na TVI foram muitíssimo boas: curtas, incisivas, esclarecedoras. Baseio-me nas quatro primeiras. Ela colocou as questões importantes e insistiu o bastante para obter respostas de políticos que falam muito mas fogem a questões essenciais. A entrevista a Francisco Louçã foi exemplar, pois Cunha e Sá estava perante um especialista em retórica e um discursador lógico. A jornalista apanhou-lhe duas contradições do discurso político e não o deixou embrulhá-las com retórica suplementar. E passou à frente. O mesmo sucedeu na entrevista a Paulo Portas, outro retórico de qualidade. A entrevista com Jerónimo de Sousa foi diferente porque o dirigente do PCP não fugiu às respostas. Estas não foram satisfatórias, mas ele respondeu, o que resulta melhor em comunicação do que a insistência atabalhoada em retórica balofa, como a de Louçã ou de Portas. * * *

ESCLAREÇO. A leitora Carina Infante do Carmo, numa carta de metacrítica à minha crítica da série televisiva "Até Amanhã, Camaradas" (11/02), escreveu: "ao contrário do que Eduardo Cintra Torres não diz, 'Até amanhã, Camaradas' foi publicado... em 1974". Atribui-me um erro que não cometi.

Conheço a data de publicação em livro pós-25 de Abril (julgo que 1975), mas não a confundo com a data de escrita e primeira divulgação. Deverá ter sido escrito muito antes de 1974. A leitora não aceita esta interpretação, mas eu insisto: este romance é também um manual de clandestinidade, escrito para educação dos camaradas de Cunhal, mesmo que formassem um "núcleo restritíssimo". A data e intenção da escrita estão de acordo com aspectos inerentes à estrutura e episódios do romance. Considero como data da primeira "publicação" de "Até amanhã, Camaradas" a da sua divulgação em cópias dactilografadas no seio do PCP no tempo da clandestinidade. O leitor visado coincidia com o leitor real: era o militante profissional sob o fascismo, não o inesperado "grande público" pós-25 de Abril.