Eduardo Cintra Torres

Manobras e Diversão


A edição do Clube de Jornalistas sobre a cobertura do julgamento Casa Pia na TV (30.12), José Alberto Carvalho, representando a RTP, disse-se encurralado porque todas as imagens que serviram de base ao debate eram de telejornais da RTP1.

A apresentadora Estrela Serrano explicou que a ausência de imagens da SIC ou da TVI se devia à facilidade de obtenção das da RTP e não a motivos obscuros. Algo de parecido sucedeu na série Tele-Dependentes (RTP1, 2002), em que participei: a ausência de imagens tornava estranho o debate sobre essas mesmas imagens. Quer José Alberto Carvalho quer Estrela Serrano tinham razão naquele caso. Não havia razões conspirativas para se mostrar apenas imagens da RTP.

Acontece que este tipo de escolhas tem de ser analisado pelas suas consequências e não pelas suas causas. A "facilidade" ou não de obtenção de imagens foi neste caso facilitismo. Tratando-se de um programa de televisão que atribui relevância às imagens porque elas estarão na base do debate, a escolha destas deve ser criteriosa, sob o risco de se poder considerar o trabalho de preparação incompetente ou tendencioso. É condenável que o Clube de Jornalistas pretenda analisar e até criticar o trabalho de jornalistas e ele mesmo, a priori, não crie as condições de objectividade mínima aos espectadores e aos participantes no debate.

A sensação de encurralamento referida por Carvalho é frequente nos convidados do programa, não porque sejam flores de estufa mas porque sentem que o programa é conduzido de forma a favorecer os interesses ou pontos de vista dos seus responsáveis editoriais (Eugénio Alves e Ribeiro Cardoso).

Quer dizer, em vez de dizerem o que pensam num espaço opinativo do programa, o que seria legítimo, os responsáveis do Clube de Jornalistas recorrem a processos sinuosos para conseguirem obter determinados resultados editoriais, seja através da escolha de convidados em estúdio ou de segmentos pré-gravados, seja através do guião das entrevistas e da escolha de declarações em segmentos vídeo. Desta forma, o Clube de Jornalistas, sendo embora um importante fórum para o debate da actividade jornalística, arrisca-se a ser, também, em alguns momentos, um condenável processo de manipulação e de falta de ética jornalística.

É uma pena que assim seja. O peso dos "media" na vida quotidiana torna indispensável que o espaço público debata com regularidade e consistência o trabalho dos mensageiros. Apesar de se tratar de uma parceria com uma instituição externa, a 2 deveria ter autonomia para ponderar se este é o único ou o melhor meio de se debater as questões que o jornalismo levanta nos dias de hoje.

Na edição em que sucedeu este episódio, as representantes da SIC e da TVI (Isabel Horta e Ana Leal) mostraram-se convencidas de que a cobertura feita é a melhor e, pela quantidade de vezes que interromperam os outros intervenientes, percebeu-se mesmo a recusa em aceitarem críticas, o que é muito habitual no universo dos profissionais televisivos.

As suas intervenções acentuaram a minha convicção, aqui expressa em 29.11.04, de que a auto-regulação jornalística é insuficiente para se obter o melhor jornalismo televisivo possível. Também pouco contribui para isso o que chamo de regulação social, isto é, as vozes críticas, como as da imprensa ou as de outras instâncias ou indivíduos da sociedade civil. Aquelas duas responsáveis editoriais evidenciaram um grande fechamento a esse tipo de críticas (o que também pode resultar da ideia generalizada de que por vezes o Clube de Jornalistas pretende encurralar certos convidados).

Infelizmente, a ineficácia da auto-regulação e da regulação social levam a que a regulação por parte do Estado, no exercício da sua autoridade democrática, se torne mais importante. No referido artigo de 29.11, propus que os tribunais e a polícia, como reguladores da rua enquanto espaço público, instaurassem barreiras na via pública para impedir o acesso anárquico e intrusivo de repórteres a arguidos, advogados, juízes, etc. Isso veio a suceder de imediato em Monsanto, o que permitiu aos jornalistas elevarem a sua dignidade (apesar do episódio relatado por Isabel Horta, que eu desconhecia, de uma jornalista que invadiu um táxi onde se encontrava um dos arguidos!).

Carvalho pretendeu estabelecer alguma diferença entre o tipo de cobertura feito pela emissora estatal e as estações comerciais, mas Felisbela Lopes, da Universidade do Minho, referiu os números de horas de emissão dedicadas ao processo da Casa Pia: em termos quantitativos, as três estações não se distinguiram entre si, o mesmo que já sucedeu, aliás, no caso da ponte de Castelo de Paiva. Como a quantidade é também uma qualidade, os estilos informativos da RTP, SIC e TVI acabaram por ter uma semelhança estrutural.

* * * A TVI introduziu novos e inesperados elementos de entretenimento e inconsistência informativa nos seus noticiários.

Alguns noticiários têm agora perguntas de algibeira como as dos concursos. Faz-se a pergunta antes do intervalo e dá-se a resposta depois do intervalo. Este elemento lúdico contribui para a caracterização dos noticiários como mais uma forma de entretenimento e acentua também o carácter comercial dos espaços informativos. Representa, além disso, um passo mais para a mistura ou confusão de géneros. Por que raio há-de haver jogos nos noticiários?

Além deles, a TVI introduziu nos seus telejornais outra novidade extraordinária: a previsão meteorológica é agora apresentada aos bocadinhos. Primeiro, a parte norte de Portugal continental, passadas umas notícias a parte central, depois a parte sul e lá mais para a frente no noticiário aparecem as previsões meteorológicas das ilhas.

A divisão de uma das mais simples e curtas informações diárias dos noticiários leva até ao limite a fragmentação da atenção do espectador, assumindo-se essa opção como uma preferência de quem assiste. Por outro lado, narrativiza a meteorologia, transformando a previsão do tempo em episódios de novela. Olha!, vai chover no Norte! Será que chove também no Sul do país? Veja o Jornal Nacional até ao fim para ficar a saber!

Trata-se de uma dupla infantilização da audiência do noticiário: por um lado, assume-se que a sua capacidade de atenção é de apenas algumas segundos; por outro lado, considera-se que o espectador ganha alguma coisa ao aceder a uma informação fragmentada sobre o estado do tempo com suspense narrativo e absurdo geográfico.