Eduardo Cintra Torres

And The Olho Vivo Goes To...


Mas o ano ainda não acabou? Poderemos apressá-lo, para acabar mais depressa?

Como se não bastasse ser o ano em que Durão Barroso se meteu no avião e deixou o governo entregue a "um portador do caos", como lhe chamou Pacheco Pereira, 2004 é, na área de acção do Olho Vivo, um buraco negro: o ano do intervencionismo governamental na televisão e um ano em que quase não há programas assinaláveis, o ano em que a televisão comercial (TVI, SIC e RTP1) estabeleceu um espécie de cartel segundo o qual se nenhum dos canais se dedicar minimamente à qualidade o público continua a ver e os anunciantes a anunciar. O objectivo é ganhar o máximo possível com programas malfeitozos ou saídos a trouxe-mouxe da linha de produção. Este ano, os Prémios Olho Vivo vão marcados por este pessimismo. Mas, portantos, prontos!, vamos a eles!

Prémio Ordem de Lenin: para Santana Lopes, Rui Gomes da Silva e Morais Sarmento, pela intervenção político-militar na área da comunicação social, um exemplo para todos os governos populistas que tenham de conviver com essa maçada que é a democracia. O afastamento de Marcelo da TVI e de Rodrigues dos Santos da informação da RTP1 ficam como os momentos mais negros da acção governativa dos últimos anos nesta matéria.

Prémio SNI: para Luís Delgado, pela propaganda em prol dos (seus) interesses e negócios disfarçada de comentário político. Pela sua acção evangélica em prol do santanismo. É tal a desfaçatez do escriba que, vendo o barco a afundar-se em finais do ano, começou a dizer mal de Santana e Portas, de forma a preparar uma aproximação, mesmo que momentânea, ao socratismo.

Prémio Mas Nós Só Falámos de Futebol: para Paes do Amaral, acerca da conversa com Marcelo que levou à saída do comentador da TVI.

Prémio Caracol: para PSD, PS e restantes partidos parlamentares por deixarem passar mais um ano sem resolverem o problema da regulação do audiovisual.

Prémio Pior É Impossível: para todos os partidos parlamentares e todas as televisões pela campanha eleitoral das eleições europeias. Foi a mais horrível, vazia e antipolítica de sempre. Ficou marcada simbolicamente pelas trágicas imagens de Sousa Franco - o único que politizou a campanha - no mercado de Matosinhos, na acção de campanha que o matou.

Prémio Miguel de Vasconcelos: para a RTP1, a SIC e a TVI, pela emissão e tempo de antena dedicado ao casamento do futuro rei de Portugal, Felipe de Bourbon, com Dona Letizia Televisión.

Prémio Sexy Hot: para Herman SIC, o único programa porno da TV generalista.

Prémio E Se Mais Emoções Houvesse: para RTP1, Dois, SIC, TVI, SICN e à então NTV pela cobertura emocional do Euro 2004. Foi pena não terem feito cobertura jornalística.

Prémio Poltergeist 2004: para Santana Lopes, quando, na entrevista à RTP1, depois de lhe cair o Governo no regaço, levantou a mão e o olhar para o tecto do estúdio como se fosse o céu, e "falou" com Sá Carneiro. Por esse momento, merece também o Prémio de Melhor Actor do ano.

Prémio Peixeirada 2004: para a polícia e o tribunal, que permitiram, e para as televisões, que fizeram a emissão da primeira sessão do julgamento do caso Casa Pia na Boa Hora, em Lisboa.

Prémio Frankenstein: para Emídio Rangel, por ser o criador mediático das duas criaturas políticas do ano, Santana & Sócrates, cheios por fora e vazios por dentro. Rangel já aguçou as garras para ver se volta à RTP depois de uma eventual vitória de Sócrates nas eleições de Fevereiro. O regresso é necessário porque da primeira vez ele não conseguiu destruir a RTP.

Prémio Funil: para a televisão generalista, por ter afunilado a programação, transformando-a em arma de repetição dos mesmos programas dos mesmos géneros. As mesmas novelas de manhã, tarde e noite, os mesmos "talk-shows" de manhã, tarde e noite, as mesmas notícias de manhã, tarde e noite.

Prémio TV Generalista: para o canal temático por cabo Hollywood, que fez a única coisa que nunca poderia ter feito, interromper os filmes com anúncios.

Prémio Malucos do Riso: para o comunicado da sesta de Santana Lopes; para o "slogan" de Rodrigo Guedes de Carvalho no final do Jornal da Noite ("o país e o mundo, todos os dias..."); para os comentários de Manuela Moura Guedes às notícias do Jornal Nacional; para Almerindo Marques, pela justificação do "alto quadro da RTP" que ficaria melindrado se Rosa Veloso não fosse nomeada correspondente em Madrid!

Prémio o Regresso de Forrest Gump: para o PS, pela persistência em avançar de novo com Arons de Carvalho como manda-chuva do partido para a comunicação social.

Prémio All right, Mr. De Mille, I'm ready for my close-up: para Francisco-Ecrã Louçã, que, seja em casa, em estúdio, na rua, no bar, no parlamento, no corredor, no comício, no país, no estrangeiro, no autocarro ou no aeroporto, está pronto para um "close-up" como a Norma Desmond de "Sunset Boulevard".

Prémios Abaixo de Zero: para Teresa Guilherme e o seu 1,2,3, o pior programa do ano quer do canal de "serviço público" quer da TV nacional em geral. Outros prémios Abaixo de Zero: Um Sonho de Mulher (SIC), pela humilhação das concorrentes a misses; SoccaStars (RTP1), pelo desperdício.

Prémio Deixa Andar: para Manuel Falcão, pela displicência com que dirige a Dois, deixando asfixiar o único aspecto inovador do canal, o único que lhe permitia mudar de paradigma, a programação feita com a sociedade civil, no exterior da empresa pública. Se é para deixar morrer esta novidade, então mais vale o Estado vender o segundo canal a privados (para diminuir o défice!) e deixar que outros canais façam programas alternativos de serviço público, como já sucede com vários do universo SIC no cabo.

Prémio Quando Oiço Falar em Cultura Puxo Logo da Pistola: para a PT, por ter retirado o canal ARTE do serviço analógico da TV Cabo Portugal. Tal como muitos outros do cabo, o canal tinha pouco espectadores, mas a diferença é que este é um dos melhores canais do mundo. Estando empenhada no mecenato e patrocínio de tantas importantes iniciativas culturais, a PT também neste caso deveria assumir as suas responsabilidades de grande empresa e repor o ARTE no pacote principal da TV Cabo.

Prémio Obsessão do Défice: para a RTP, que continua a não ter dinheiro que chegue para fazer a única coisa que tem a obrigação de fazer - programas de serviço público.

Prémio Inutilidade 2004: para o programa O Eixo do Mal (SICN), apresentado, protagonizado, iluminado e dominado pela grande escritora Clara Ferreira Alves.

* * * E agora uns prémios a sério, para não morrermos de tédio. Melhor programa do ano: Gato Fedorento (SICR). O melhor humor televisivo em décadas.

Outros bons programas: Pop Up (Dois), Portugal, Um Retrato Ambiental (RTP1), Abril: 30 Anos, 30 Imagens (RTP1), Páginas Soltas (SICN), Megera TV (SICR), Manobras de Diversão (SIC), Livro Aberto (RTPN).

Melhor programa de ficção do ano: Sopranos, quarta e quinta séries (Dois).

Melhor noticiário do ano: Daily Show com Jon Stewart (SICR).

Melhor Talk-Show do ano: Oprah Winfrey (SICM).

Melhor Evento do Ano: cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Atenas.

Ironia do Ano: o facto de programas baratos como Gato Fedorento, Megera TV, Na Roça com os Tachos (RTPA), Páginas Soltas e Livro Aberto vencerem em qualidade e notoriedade os programas de "kitsch" luxuoso da TV generalista.