Eduardo Cintra Torres

Contra-Informação, Muito a Sério


Brincar, a brincar, com os seus oito anos o Contra-Informação é já hoje um dos mais perenes programas da televisão portuguesa.É um feito, sabendo-se como os géneros e programas se gastam em Portugal a uma velocidade vertiginosa, em comparação com os outros países ocidentais.

Por várias razões, incluindo a falta de orçamento, as mudanças selvagens de horários e a sobre-exposição a que os canais submetem os seus êxitos sem cuidarem de os melhorar, a política de produção de programas em Portugal resulta numa geral falta de qualidade que acaba por queimar as boas ideias e os bons projectos, sejam eles indígenas ou importados.

O Contra é um projecto importado que resultou, se nacionalizou e ganhou um lugar no imaginário colectivo português. Tal facto é muito significativo no panorama nacional e a RTP deveria respeitar mais este seu programa, sendo certo, porém, que a ela se deve também a transformação do Contra num ícone da TV e da cultura popular do país. Isso resulta de um factor vital na indústria cultural televisiva com qualidade: o equilíbrio entre os seus dois pólos, o que é produção e o que é criatividade.

O empenho da produção do Contra é desde logo patente no bom nível caricatural, na diversidade e na manipulação dos bonecos e na recriação das vozes das personagens. A manipulação dos bonecos é excelente e muita atenta aos pormenores gestuais dos retratados. A caracterização vocal, embora irregular, tem momentos fantásticos, com as imitações de Nobre Guedes, Paulo Portas, Pinto Balsemão, Alberto João Jardim ou Pinto da Costa. A renovação frequente do elenco do Contra revela o empenho da produção no acompanhamento do voraz campo público de políticos e celebridades.

Alguns bonecos, como os dos apresentadores do telejornal do Contra (Rodrigues dos Santos e J. Alberto Carvalho) não são caricaturados, o que é errado: faz parte da lógica do programa que ninguém seja poupado à comédia; ainda por cima quando a figura de Manuela Moura Guedes, que partilha com os outros dois a apresentação do Contra de fim-de-semana, é caricaturada ao extremo na representação física e vocal.

Outros bonecos não parecem muito caricaturados, provavelmente pela dificuldade da representação tridimensional. Os fazedores destas esculturas cómicas partem de uma representação bidimensional (fotos) para um boneco tridimensional que é depois novamente reduzido às duas dimensões pela TV. Na sucessiva alteração pode haver perdas na ligação referencial aos originais e no processo de criação das caricaturas.

Em resumo, esta produção cuidada é uma das duas garantias fundamentais para a continuidade do Contra. A outra é a criatividade da escrita. A estrutura vencedora do Contra-Informação é bastante básica: a utilização do protótipo do telejornal televisivo para gozar com as próprias realidades que enchem os noticiários e a TV em geral.

Baseando a análise nos programas de fim-de-semana emitidos entre 19/09 e 03/10, verifica-se que o alvo preferencial do Contra são os políticos e a actualidade política; afastado, vem a seguir o futebol e depois a sociedade do espectáculo televisivo. Ao contrário do que sucedia há anos, quando o Contra era muito leniente para com os políticos, hoje o registo geral é mais duro, o que valorizou a comédia e, afinal, garantiu a sua sobrevivência: como poderia manter-se um programa de gozo da política que era simpático ou que poupava os políticos, como se estivesse do lado deles? Não fazia sentido. Esse aspecto foi muito melhorado.

Embora tente ser "democrático" nos ataques cómicos em todas as direcções políticas e desportivas, o programa tem alvos preferenciais e exprime um ponto de vista geral à esquerda do PS. No período analisado, a única figura política tratada com brutalidade cómica foi Jorge Sampaio, por não ter convocado eleições antecipadas. Mesmo a caricatura de Santana Lopes, baseada na sua incompetência e frivolidade governativa, não atingiu neste período o mesmo nível de acuidade cómica. Há áreas da sociedade do espectáculo que são mais poupadas que outras, ou não estivessem os autores dos textos englobados numa instituição cada vez mais poderosa da nossa sociedade do espectáculo, a empresa Produções Fictícias.

Uma preocupação fundamental, senão mesmo obsessão, do Contra é manter uma enorme actualidade nos temas tratados. A realidade é caricaturada no dia seguinte ou nos dias seguintes aos eventos. A pressão de querer acompanhar a actualidade tem aspectos positivos, dado que o Contra acompanha os temas de debate na sociedade e, além disso, cumpre o modelo de telejornal do programa.

Todavia, a escrita apressada sobre os temas do dia é igualmente desvantajosa porque muitos textos são pouco cuidados. Os autores não ganham distância nem tempo para apurar o que escrevem. Há textos atabalhoados, com frases incompreensíveis para a maior parte dos espectadores, e há bastantes tentativas de graças que os autores não conseguem traduzir em linguagem quotidiana.

O modelo telejornal serve para aninhar um certo "laissez-faire" criativo: metade do tempo de cada "sketch" é desperdiçado com uma "notícia" descritiva sem graça lida por um dos bonecos apresentadores do Contra. A segunda parte, na qual se concentra a comicidade, é a consequência do facto relatado na "notícia". Se acontece não ter graça ou não ser contundente, lá se vai o Contra. O principal problema do Contra é terrível para um programa de humor e deveria constituir uma grave preocupação para os que o escrevem: o Contra-Informação tem pouca piada. Tem, mas tem pouca.

O modelo de telejornal, se facilita a utilização dos bonecos e a escrita enquadrando os temas caricaturados, é também limitador e está um pouco envelhecido. Os anos passam, e, por todo o lado, incluindo neste jornal com o Inimigo Público, se vê a utilização paródica do género jornalístico para se gozar com a realidade mostrada pelas notícias e para gozar muitas vezes com o próprio género jornalístico (o que aqui sucede menos, porventura para se salvaguardar o telejornal do canal em que sai o programa, a RTP1).

Nos "sketches" a partir de "videoclips" ou anúncios, o Contra foge a este espartilho, mas mantém-se sempre no universo TV. Existe toda uma geração de humoristas portugueses que já não vê o mundo senão pelo ecrã televisivo. De tal forma estão presos às formas e conteúdos televisivos que, conseguindo embora gozar com o que vêem, têm dificuldade em criar um olhar verdadeiramente exterior ao "mass media" que amam e odeiam em simultâneo. Tal como projectos falhados, como o Programa da Maria (SIC/SICC), o humor do Contra corre o risco de ficar prisioneiro do modelo telejornal e da ideologia TV em geral.