Eduardo
Cintra Torres
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Entrevista Numa Exposição |
A chegada de Paula Rego aos telejornais significa que, para a ideologia da televisão generalista, a sua pintura pode ser adoptada como "popular" pelas audiências da própria televisão. A pintura figurativa de Paula Rego é aceitável para a televisão generalista e a sua cultivada e aparente excentricidade bate certo com a ideia que tablóides e televisão dão dos artistas. Ana Sousa Dias saiu do estúdio e foi entrevistar Paula Rego a Serralves, onde a pintora esteve para a inauguração que reúne obras da década 1995-2004 (Por Outro Lado, 2, quarta). O programa começou com as duas conversando junto e a respeito de quadros expostos na exposição, mas logo mudou para o habitual modelo (mesa e duas cadeiras) aplicado numa sala do museu. A entrevista confirmaria o acerto da mudança, pois Sousa Dias não é especialista em arte, é especialista em extrair naturezas humanas das suas carapaças. A mesa é o seu divã. Na primeira parte da entrevista Sousa Dias insistiu no habitual ramalhete de perguntas estereotipadas a Paula Rego, do tipo se o coelhinho deste quadro está mesmo a querer violar a menina a quem levanta a saia, se o cãozinho é mau para o homem que está deitado no chão de rabo para o ar, etc. Paula Rego entra no jogo com respostas do tipo "Não, não, o coelhinho não está a fazer mal à menina, eles estão a brincar à apanhada" ou explica com suposta ingenuidade as alterações que introduziu na estória do Capucinho Vermelho. São diálogos agradáveis, divertidos e também interessantes sobre estórias infantis ensombradas pelos fantasmas e violência dos adultos. Mas não falam de pintura, são insuficientes para ajudar a compreender a pintura. E a pintura de Paula Rego é, afinal, o que origina as entrevistas à pessoa Paula Rego. A certa altura da entrevista houve um corte, facilitado por Sousa Dias, e começou a falar-se da própria pintura. Rego aproveitou o desvio, afastando a conversa de si, da infância, das netas e dos motivos pintados. O tom de voz modificou-se, abandonou o registo ingénuo e infantil com que fala de coelhinhos & meninas e explicou porque optou pela pintura figurativa em detrimento da abstracção; insistiu que cada quadro é uma composição que "descreve uma situação a que se chama uma estória"; e disse que a técnica conta tanto ou mais que a estória: "é uma coisa entre as duas", "o tema e a maneira como é feita a composição, a cor, a tensão entre os vários elementos da composição". Sousa Dias podia ter explorado mais esta Paula Rego pouco conhecida das entrevistas e que deixaria claro que os coelhinhos são pretextos para a pintora realizar a sua prerrogativa de artista: roubar ao desconhecido o que ainda não existe, criar uma forma artística que acrescente às existentes, evidenciar o talento formal em abordagens inexploradas dos temas escolhidos. Bastava ouvi-la dizer que os quadros que pintou para a capela do Palácio de Belém foram os que mais gostou de fazer para se entender que os coelhinhos são motivos para exercer a sua arte com êxito ("vender é uma maravilha") numa sociedade compradora mais próxima de aceitar nas suas salas de estar o universo dos contos tradicionais do que da religião cristã ou do drama do aborto. Ana Sousa Dias afastou-se desse diálogo interessante e regrediu para temas mais triviais e já abordados. Mas, apesar disso, deu oportunidade à pintora de explicar a sua pintura, o que outros entrevistadores não deixam, mantendo um controlo exagerado, até ao absurdo, do rumo da conversa. Esta edição marcou o regresso de Por Outro Lado a entrevistas com interesse do princípio ao fim e confirmou a magnífica gestão do tempo que Sousa Dias faz para o convidado se revelar "malgré lui". E teve como atractivo adicional uma certa cumplicidade feminina que não raro outras entrevistadoras procuram evitar, masculinizando o seu papel. * * * O Pop Up é um bom programa da 2. Tem uma agenda original - temas da cultura urbana - e uma estética a condizer. Digamos que está tudo certo no programa. Só uma coisa parece estar mal: o incerto horário. Desde que começou, a 2 já colocou o Pop Up em quatro horários. Mudou-o três vezes em cinco meses. As pessoas que trabalham em televisão exigem que os comboios, as repartições públicas e os restaurantes cumpram regularmente os seus horários. Todavia, manifestam nessa matéria o maior desprezo pelos seus utentes, os espectadores. Fazem das audiências cobaias em testes sucessivos de busca do "melhor" horário. É sintomático que isto se passe num canal que se quer da sociedade civil. * * * Freitas do Amaral acusou na RTP1 o governo de querer "domesticar" os "media" e lamentou que Jorge Sampaio não tivesse provocado a demissão do ministro Gomes da Silva, pela sua inconstitucional intervenção a respeito do caso Marcelo (Grande Entrevista, quinta). A intervenção de Freitas foi significativa por ter sublinhado a inconstitucionalidade da actuação do governo Santana nesta matéria. Meia-hora antes, na TVI, José Eduardo Moniz refugiava-se num futuro código de actuação na TVI para evitar a repetição de casos como o de Marcelo e para justificar a sua continuação na Direcção de Informação da TVI (Jornal Nacional, quinta). Não era preciso um código, porém, para evitar que o caso Marcelo acontecesse: bastava que o governo e o presidente da TVI, Paes do Amaral, tivessem cumprido a legislação em vigor, a começar pela Constituição. Dito isto, é vantajoso que haja um código nos órgãos de informação regulando o trabalho dos comentadores e colaboradores externos. Moniz foi entrevistado por Pedro Pinto em directo. Na noite anterior o Jornal Nacional apresentara uma entrevista gravada do mesmo jornalista com Paes do Amaral. A abundante sinalética do Jornal Nacional não indicou o diferido. A atitude do jornalista foi totalmente diversa consoante entrevistou o patrão ou o chefe directo dos jornalistas. No caso de Amaral o entrevistador manteve um registo correctíssimo e fez-lhe perguntas adequadas. No caso de Moniz, Pinto adoptou uma atitude emocional, simpática e declarativa, do tipo estamos do teu lado, estamos contigo, queremos que fiques, etc. Esta atitude é totalmente desadequada e desnecessária e a duplicidade de comportamentos é pouco profissional. O director de informação da TVI disse que ficava na empresa e uma das razões é importante no quadro do cerco santanista à informação livre: ele fica para resistir à governamentalização que o governo queria impor à TVI. |