Eduardo Cintra Torres

O Partido-telejornal; o Tabu da Maçonaria; a Tragédia de Beslan


PSD tem nova imagem. Mostra uma imagem da Terra. As setas em ângulo do símbolo original rodam agora em torno do planeta. O movimento simboliza acção e abraço às questões da actualidade mundial ou nacional.

Reforçando as cores quentes, o planeta transforma-se em estrela com a emissão de raios amarelos e laranjas. A Terra e as setas não têm por fundo o espaço sideral mas uma espécie de planisfério da Terra, numa redundância do grafismo simbolizando a relação do partido com os temas da actualidade. A sigla PSD é justaposta à Terra, criando uma relação íntima entre a organização, o conceito de acção num mundo em movimento e a informação.

Com a concordância da direcção do PSD, os designers associaram o PSD à simbologia dos telejornais. A Terra iluminada e com movimentados "anéis de Saturno" em seu redor é muito semelhante aos símbolos dos telejornais da RTP1, da SIC, da TVI, da SICN, da BBC World, etc. A direcção de Santana Lopes transformou o símbolo do PSD no símbolo de um partido-telejornal.

Na reportagem em que revelou a nova imagem do PSD, o "Jornal de Negócios" (09.09) ouviu o seu criador, Einhart da Paz, director da agência de campanhas do PSD e que "já trabalhou a imagem do actual primeiro-ministro ainda este estava na presidência da Câmara" de Lisboa. O publicitário confirma que a nova imagem é "um caminho multimédia, mais próximo da cultura televisiva".

Na nova imagem do PSD há dois níveis de identificação do partido com a televisão: à superfície, nas associações acima descritas; e na relação profunda que se estabelece entre a acção política e a exibição televisiva.

Seria troglodita desmentir que a política em democracia é comunicação num sentido lato. Mas esta nova imagem - simbólica da direcção de Santana Lopes - diz outra coisa. Ela é a assunção de que política é o que se faz para mostrar no telejornal, é a redução da política ao "telejornável". Para Einhart e Santana, política é o que é necessário para garantir uma presença na primeira página do "Expresso" e no telejornal desta noite. A nova imagem do PSD assenta como uma luva ao seu novo dirigente. O publicitário serviu o líder. O novo símbolo ou a cara de Santana Lopes são a mesma coisa: onde cada um estiver, estamos a ver um telejornal.

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A morte do presidente do Tribunal Constitucional surpreendeu como todas as mortes inesperadas. Também me surpreendeu que, quase em simultâneo com a notícia na TV, o líder da Maçonaria GOL anunciasse que Luís Nunes de Almeida pertencia à organização. Não deveria surpreender-me, pois sendo a Maçonaria uma organização secreta não se conhecem os seus membros. Também não me deveria surpreender que, logo após a morte, a Maçonaria se apressasse a reivindicar essa condição do presidente do Tribunal. Há dezenas de anos que me habituei a ver nos "media" um coro de elogios orquestrados a maçons falecidos, mesmo que não identificados como tal. Habituámo-nos a que só se conheça a condição maçónica quando as pessoas morrem.

O que me surpreendeu foi olhar para o calendário e ver lá o ano de 2004. Trinta anos depois da instauração da democracia, existem ainda sociedades secretas com membros em postos importantíssimos do Estado reivindicando a democracia, dizendo defender a democracia, dizendo-se até mais democráticos que outros, mas que não observam a mais elementar das regras da democracia: a participação aberta na sociedade aberta, a divulgação franca pelos seus membros dos objectivos da sua militância.

O que significa ser maçon e ocupar um cargo no aparelho do Estado? Quais as consequências? No caso de um partido, tal é público ou semipúblico. E se o não é, há os "media" e há regras para se saber, dado que os partidos não estão fora do aparelho de Estado. Com razão, José Sócrates considerou positivo o debate do PS ser público porque em democracia "não há questões internas dos partidos" (SICN, 07.09).

E no caso de uma organização secreta? Conhecer os princípios dessa organização pouco me diz, pois todas as cartilhas devem ser confrontadas com as práticas e no caso de uma sociedade secreta não poderei sabê-lo e o Estado não tem meios de o saber nem de disponibilizar aos cidadãos a legítima informação a que têm direito.

Nesta era mediática em que a sociedade aberta se faz também com os media, TV, rádios e jornais falam da questão superficial da cerimónia maçónica num templo católico mas omitem a questão de fundo. Não há debate sobre o facto de uma organização secreta poder estar à frente dos destinos do país. Este é um tabu imposto aos jornalistas e comentadores ao qual eles se vergam envergonhados. A Maçonaria mandará em muito mais do que eu imagino, mas ninguém mo diz. Vivo numa democracia em que há organizações secretas, não eleitas pelo povo, e os "media" não me informam.

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A barbárie terrorista em Beslan assemelha-se à barbárie étnica no Ruanda ou no Sudão. Mas tem mais destaque: está mais próxima da cultura ocidental e das câmaras de televisão.

Ao contrário do afundamento do Kursk com a tripulação no interior, desta vez o poder autoritário russo não conseguiu evitar o destino do evento, que era o de tornar-se uma tragédia televisiva. No caso do Kursk, Moscovo impediu o que é próprio da tragédia há 2500 anos: que o poder seja questionado. A imagem mais forte que então nos chegou foi precisamente a duma conferência de imprensa em que, para evitar que uma familiar enlutada se exprimisse emocionalmente contra o poder, um agente secreto lhe espetou uma agulha com um líquido que a pôs num estado catatónico.

Desta vez, os russos entenderam a censura na sua TV e perceberam que a tragédia do mundo real tem de se exprimir como tragédia na televisão. Sem a TV, não teríamos visto das imagens mais trágicas de sempre, pais e familiares salvando reféns perante a inoperância das autoridades. Jornalistas televisivos, como o correspondente da RTP, Evgueny Mouravitch, fizeram em Beslan e Moscovo um excelente trabalho na mostração da realidade.

A imprensa russa conseguiu furar o bloqueio, apesar da repressão e de meios terroristas do Estado, como o envenenamento de uma jornalista. As críticas a Putin, seu governo e forças armadas revelaram que a força da democracia vai chegando à enorme Rússia através dos cidadãos. Não foi possível esconder a face negra do poder na tragédia. Putin teve de voltar atrás, pela primeira vez desde sempre. A tragédia televisiva serviu a democratização.

O Ocidente, preocupado com os direitos humanos em regiões longínquas, é leniente face à repressão da liberdade de informar na Rússia. E as forças da sociedade civil ocidental que gritam "horror!" sempre que se descobre uma falcatrua individual dum jornalista num "New York Times", bem podiam organizar campanhas a favor do seus colegas russos e em favor das liberdades para os cidadãos da Rússia. A tragédia de Beslan foi provavelmente a primeira tragédia televisiva, com as características da vivência informativa democrática, que a Rússia conheceu