Eduardo
Cintra Torres
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Isto Dá Vontade |
Hoje os partidos sublinham menos as políticas do que as personalidades dos candidatos (até o PC usa Odete Santos como estrela da companhia) e fazem espectáculo. As campanhas deixaram de se fazer para cidadãos directamente presentes em acções políticas para se destinarem a toda a gente que vê televisão. A presente campanha eleitoral é, em termos de comunicação política e em termos do interesse nacional, um desastre. Os próprios políticos a consideram "menor" por ser uma eleição europeia - e dizem-no. Falam dela na televisão como uma eleição intermédia, um cartão amarelo, vermelho ou verde, um julgamento do Governo nacional. São os próprios partidos que neste discurso desrespeitam e menorizam o Parlamento Europeu e a União Europeia. O discurso eleitoral tem sido de grande pobreza. Que mostra a televisão? Candidatos falando de miudezas absurdas ou temas sem interesse para a eleição, contando anedotas, puxando o pé para a dança, falando em "pontes" de feriados e em futebol, comentando a beleza física dos candidatos, falando com um cavalo, distribuindo papelinhos, prevendo resultados, comentando consequências de resultados que desconhecem. Mostra insultos (o da deputada do PSD Ana Manso a Sousa Franco é o mais horrível de todos desde há anos), falsos insultos, discussões sobre insultos e uma infinita conversa sobre o fim dos insultos. A televisão não é culpada de nada disto. Ela proporciona uma simplificação do discurso político, não a sua degradação. Essa deve-se apenas a quem tem o monopólio do discurso político: os políticos. Mais: a simplificação do discurso político é, em si, uma coisa positiva por alargar o público a que chegam os temas da cidadania. Se os políticos não a sabem fazer, é porque uma retórica simples é mais difícil de produzir do que a má retórica complicada. Trazendo-nos a TV os políticos para a sala de estar, milhões de pessoas minimamente interessadas na política eleitoral e em conhecer os candidatos deixam de precisar deslocar-se a comícios. As ruas e salas desertas não resultam necessariamente de desinteresse, significam apenas que há mais informação disponível no lar e nos locais de trabalho. Por isso, a presente estupidificação generalizada do discurso e da campanha política é uma péssima escolha da classe política que resulta em parte do pavor que tem de não se ver rodeada de "massas populares", quando as câmaras da televisão estão por perto. Vai daí, se as massas não vêm aos comícios, lá vão os políticos onde julgam que estão as massas: às feiras e mercados. Em geral, é aí que estão as pessoas mais despolitizadas e desinteressadas. E pessoas que se prestam a fazer para os políticos e para a televisão aquilo que acham que os políticos e a televisão querem: beijinhos, frases larocas, danças com candidatos. Estas "situações fotográficas" fornecem imagens, nada mais. Afastam os temas importantes dos telejornais, obliteram qualquer hipótese de debate na rua. E tornam a política ainda mais frustrante para os portugueses. Reduzem a campanha eleitoral à frase bastarda "caça ao voto", esvaziam a política de qualquer nobreza retórica, de conteúdos interessantes para a cidadania, para o próprio debate político. Sabemos que as campanhas eleitorais são, tradicionalmente, uma ocasião para os políticos contactarem com eleitores comuns, mais afastados da política. Para alguns é até a única ocasião para isso, pois no resto do tempo ninguém os vê a falar com os cidadãos comuns. Mas se apenas se deslocam a feiras e mercados para beijar e mostrar o corpinho, anulam o diálogo para as câmaras sobre temas políticos, rebaixando a sua própria actividade. Uma vez mais, a culpa não é da televisão, que é até bem simpática com os partidos. Mostra os candidatos rodeados de três pessoas parecendo que são 30, ou mostra comícios quase desertos como se estivessem multidões. Os partidos deveriam agradecer aos repórteres de imagem televisivos e aos jornalistas televisivos, que simpatizam com a pobreza do discurso político. A fraqueza de conteúdo dos debates que a SIC organizou, por exclusiva responsabilidade dos candidatos, indica a quem se deve a mediocridade da campanha. Não admira que a notícia de sábado da SIC Notícias sobre o debate Sousa Franco-Deus Pinheiro na véspera sublinhasse que eles não se insultaram, apesar de ambos terem de facto falado da Europa num debate positivo. A falta de imaginação e de focagem dos partidos nos temas políticos e europeus na campanha eleitoral é verdadeiramente aflitiva. Se houver muita abstenção, a eles se deve, mais ninguém. Se os políticos não fazem política, por que hão-de fazê-la os eleitores votando? Se os políticos se exibem na televisão evitando fazer política e preferindo jantar, dançar e beijar, quem pode dar importância ao voto? As lágrimas sobre a provável alta abstenção no próximo domingo são de crocodilos. Será isto também uma consequência do "centrão" lodoso para que se dirige a retórica de todos os partidos parlamentares? Há um elemento que parece confirmá-lo: vendo-se os tempos de antena e as reportagens televisivas, só os partidos "radicais" e minoritários se centram em temas políticos (ou corporativos). Os partidos parlamentares, incluindo o BE, na ânsia da "caça ao voto" no "centrão", tendem a despolitizar o seu discurso e a reduzi-lo a uma engrenagem de resposta à resposta da resposta dos outros contendores, o que anula qualquer conteúdo relacionado com as questões reais, nomeadamente as europeias. Uma reportagem que vi das "actividades" do Partido da Terra (MPT) serve como símbolo televisivo desta campanha eleitoral: o "partido", nesse dia, foi ao cinema. A fita escolhida foi um filme-catástrofe, "O Dia Depois de Amanhã". O "partido" era uma pessoa só, um único candidato que perorou sem convicção para a câmara de televisão. O último plano da reportagem mostrava o candidato a entrar, sozinho, na sala escura. |