Eduardo
Cintra Torres
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Outro Lado, e Os Mesmos |
Ana Sousa Dias prepara detalhadamente a entrevista, lendo, ouvindo, falando com o futuro entrevistado e outras pessoas. Assim, a conversa pode depois decorrer com harmonia e com perguntas adequadas ao perfil do entrevistado. Mas não é a preparação que distingue a entrevistadora, pois outras, como Judite Sousa e Maria João Avillez, se preparam bem. O que a distingue não é tanto saber perguntar como saber ouvir, quando é melhor para o espectador que o entrevistado diga o que tem a dizer à sua maneira e não da forma que o entrevistador pretende. Além disso, Sousa Dias sabe perguntar como quem não pergunta, num processo de extracção subtil de entranhas espirituais. Ela não invoca pressas nem alegados interesses do espectador para interromper o entrevistado. Isso faz com que a conversa "suba ao de cima" como as bolhinhas da água carbonizada, em vez de nos impor o estilo excessivo do media televisivo. Além disso, ela faz uma magnífica gestão do tempo que transforma a entrevista numa sinfonia de Haydn e não num techno galopante e até stressante como são muitas outras entrevistas televisivas. A intrusão da entrevistadora é muito reduzida, há nas entrevistas uma paz sem igual mas que não as torna aborrecidas se usarmos o lugar-comum do jornalismo televisivo a respeito do aborrecimento; pelo contrário, o que hoje muitas vezes aborrece é a intrusão, a pressa, o drama forçado e a pose de outras entrevistas, elementos de encenação que, de tanto repetidos, os espectadores já descodificam. Quando isso acontece, quando o espectador entende ser forma o que parecia conteúdo, as coisas tornam-se superficiais. A fluência da conversa não quer dizer que Sousa Dias abdique do poder da pergunta. Pelo contrário, ela vai orientando a conversa através de cirurgia não intrusiva e no final fica-se com a ideia de que aquelas eram as questões que queríamos colocadas e não ocorrem outras que ficassem por colocar. O que ela tem é uma arte de colocar as questões que, julgo, nunca houve antes na televisão portuguesa. Adopta uma máscara de conversadora que é de enorme sedução para a pessoa à sua frente e em casa, embora por vezes a humildade encenada seja exagerada. Nem sempre os convidados são interessantes durante 50 minutos (problema deles), mas é um risco assumido e compensado por grandes surpresas, como foi o caso da conversa com Aldina Duarte. Por Outro Lado consegue ser o primeiro projecto contínuo de programa de entrevistas que nos dá a conhecer pessoas interessantes em início de carreira ou com obra feita mas pouco conhecidas. A isto soma-se a realização de Rui Nunes, de grande sensibilidade e enorme sentido de oportunidade, e o cenário do programa, que é o mais feliz do seu autor, António Polainas, e o melhor que conheço para entrevistas como estas, que são de revelação interior do entrevistado. Por tudo isto, Por Outro Lado é, no modelo actual, um dos melhores programas de entrevistas televisivas que conheço. Tomara que não o estraguem. *** Tínhamos pouco futebol, tínhamos. A RTP1 ameaça, com orgulho, 500 horas até ao final do Euro 2004. É o Neuro 2004. As 500 horas passam por inúmera "informação" irrelevante. Futebol, pouco. É como no Estoril Open: a primeira reportagem no Telejornal sobre o mais importante torneio de ténis no país apresentava-nos o cabeleireiro do recinto. E a segunda mostrava-nos a sala onde o social passeia os corpinhos. Depois, a correr, menções aos jogos do dia. Não sei se nas 500 horas do Euro 2004 se inclui o programa chamado SoccaStars, que visa incrementar o vício do futebol na juventude, não se vá dar o caso de ainda haver por aí algum miúdo perdido que não seja suficientemente patriótico neste domínio. O nome do programa é dum absurdo total em Portugal. Os "media" são em grande parte responsáveis pela total futebolização da pátria. A alienação é hoje infinitamente superior ao que era no tempo do fascismo, mas estou certo que os responsáveis editoriais pela ditadura "informativa" do futebol nos "media" se consideram todos uns antifascistas de boa cepa. O SoccaStars foi durante semanas o único "reality show" da televisão portuguesa, evidenciando como o "serviço público" da RTP1 que se propagandeia até à náusea nas autopromoções vai de vento em popa. Entretanto, um canal ao lado arranjou companhia para o "reality show" da RTP1: a SIC conseguiu fazer do concurso das "misses" um "reality show" em vários episódios, transformando o que sempre foi a escolha de uma "gaja boa" na ficção de Um Sonho de Mulher. *** O caso do inglês do Real Madrid que terá ou não terá amantes passou dos tablóides ingleses para as TV de lá e de cá. Deve o jornalismo falar dos supostos "casos" do jogador? Que temos nós com isso? A questão é mais complicada do que parece porque pessoas como este jogador e a sua mulher andaram anos a vender a vida privada a revistas, tablóides e TV. Agora é a vez das alegadas amantes venderem entrevistas. Em Inglaterra o mercado é menos cínico do que noutras paragens: a informação sobre vidas privadas é como as acções na bolsa: transacciona-se. Se nem tudo é cor-de-rosa na alcova do casalinho mediático, devem os segredos ficar escondidos? Que fazer? Eu não sei, pois não se trata de jornalismo, antes de entretém informacional. O caso dá que pensar. Esta semana uma revista encheu a capa com o casamento de jornalistas apresentadores, ele da RTP1, ela da SICN. O cinismo da operação revelava-se no título da capa: dizia que eles "casaram-se em segredo" e prometia "todos os pormenores da cerimónia". A reportagem tinha várias páginas, com fotografias "oficiais" e declarações diversas. Em que ficamos? Foi ou não em segredo? Uma coisa não pode ao mesmo tempo ser e não ser, já dizia o camarada Aristóteles na Metafísica! Os conhecidos divulgam a vida privada para benefício da sua vida profissional e social, mas queixam-se quando a imprensa divulga o que corre mal em privado. Então, os (outros) jornalistas e os críticos passam a malandros. |