Eduardo
Cintra Torres
|
O Que Acontece e Não Acontece no Magazine |
Amiúde este discurso petulante esconde ignorância e incompetência; e não tem consequência. Quero dizer: este "nós" iluminado não quer ou não consegue realmente iluminar "as massas", a quem aliás, nunca pergunta se quer aquela cultura, outra ou nenhuma. Historicamente visto, é um discurso que convida a tomar-se ansiolíticos: sempre repetido, sugere que os níveis de literacia e de cultura não melhoraram. É falso. Enquanto os abutres do Orçamento repetem o discurso da mariquinhas, a actividade cultural no país, em todo o país, tem aumentado de forma extraordinária, em quantidade e qualidade. E a oferta só é possível porque há procura por parte "deles", das "massas". O discurso dos iluminados ainda impregna a informação jornalística sobre a cultura, que tende para o paternalismo e omite qualquer sentido crítico. Esta tendência é tanto mais negativa porquanto a informação cultural é o que, de "cultura", mais chega a uma parte importante do público. Na verdade, a cultura tende a diluir-se em informação cultural, como já previa o profeta Marshall McLuhan quando notava que cada vez mais formas de cultura e conhecimento estão a ser vertidas numa "forma de informação". Hoje há gente culta não por ter ido ao concerto mas por saber que ele se realizou. A televisão generalista, que é um meio pouco dado às artes eruditas, tem grande responsabilidade nesta transformação da cultura em informação sobre a cultura. Assim se limpam consciências, assim se preenchem quotas obrigatórias de "cultura" na antena: substituindo as "chatices" culturais pela informação ligeira sobre elas. Portanto, a informação cultural adquire um grande peso informativo mas também cultural e social, mesmo que a sua audiência seja menor que as de outros géneros mediáticos. O paternalismo cultural, que era um traço subjacente ao Acontece, ainda não foi extirpado do Magazine (Dois, 2ª a 6ª). Durante um mês, a apresentadora Anabela Mota Ribeiro terminou o programa da forma mais insuportável que o paternalismo poderia assumir. Todos os dias ela acabava o Magazine com uma frase do género: "Hoje vou ao cinema". Ou: "Hoje vou ler um romance". E nós a sabermos que era mentira porque ela jamais diria "hoje vou lavar a roupa" ou "hoje vou ter de ir visitar a minha sogra". A frase mudou, entretanto, concretizando-se mais: "Hoje vou ler o livro tal". Mas continua a ser mentira. Dá vontade de a gente se encharcar em whisky e nunca mais ler um livro na vida. O Magazine mantém ainda o defeito do Acontece de ser sempre favorável à coisa cultural: vivemos num país culturalmente perfeito, onde não há más políticas culturais, maus espectáculos, maus livros, maus filmes e até maus críticos. Tudo é belo, tudo é sorriso, tudo é cultura linda. É natural que se destaque o que se considera bom. Mas, se esse bom é definido e apresentado como bom, o público tem direito a saber se há alguma coisa má. Não há ninguém verdadeiramente culto sem discernimento. No Magazine, como no título do filme de Clint Eastwood, o mundo é perfeito. Nesse aspecto, o Acontece tinha a vantagem de os seus comentadores exercerem de vez em quando o privilégio da crítica negativa. Há, entretanto, uma diferença abissal entre o Magazine e o Acontece. Via-se um e vê-se o outro e parece que estamos em dois países diferentes: a esfera cultural que preenchia um programa em quase nada coincide com a esfera cultural do outro. Seria injusto dizer que o Acontece era o Magazine de Malangatana, da mesma forma que será injusto dizer que o Magazine é o Acontece do universo que gira em torno das Produções Fictícias e do "É a Cultura, Estúpido!". Mas o contraste é tão grande que podemos temer pela ligação a capelinhas culturais em prejuízo do equilíbrio. Um programa de informação cultural no serviço público de TV não pode ser só para publicitar os amigos e a sua rede. Depois de um mês de acertos, o Magazine estabilizou o modelo formal. É positivo o conceito de ser dedicado a uma área diferente todos os dias (artes plásticas, artes de palco, etc). Isso permite concentrar a atenção do espectador e dar-lhe uma ideia geral duma disciplina criativa. Corrigiu-se a pressa que havia em fazer um programa de 30 minutos enchendo-o de notícias: o tempo dedicado a cada item era inicialmente tão reduzido que não permitia assimilar o interesse da obra ou espectáculo apresentado. O ritmo é acertado e a duração do programa não é exagerada como a do Acontece, cuja pompa da "coisa cultural" em parte vinha daí. As reportagens dos módulos temáticos estão bem feitas e são interessantes, embora o módulo dos livros, às sextas-feiras, ainda não tenha acertado com a linguagem audiovisual. A agenda do Magazine é igualmente de reduzido interesse: nada tem para além da referência ao evento, não há imagens nem sons que sublinhem audiovisualmente as propostas escolhidas. Além disso, a música de fundo é de tal forma perfurante (tal como acontece em dezenas doutros programas da TV portuguesa) que não só não se ouve o que a apresentadora lê como não dá vontade de ouvir. Falta referir a prestação de Anabela Mota Ribeiro. A fasquia deixada por Carlos Pinto Coelho era alta, pois, mesmo que fosse criticável o estilo, ele não só estudava os temas como dominava tecnicamente a comunicação televisiva. Ribeiro não domina. Além de ter a voz um pouco estridente, o que poderia corrigir com aulas de colocação vocal, há uma diáfana cortina entre ela e o espectador que resultará do seu nervosismo e de se notar o esforço para "naturalizar" a sua presença. O mesmo se nota nas suas entrevistas. Por ter sido escolhido o modo breve, o que é muito bom, a entrevistadora denota nervosismo e as perguntas são despejadas em cima do entrevistado ao género "água vai!". Isso nem é bom para ela nem para o espectador. |