Eduardo Cintra Torres

As Minhas Novelas


Pedro Santana Lopes e Manuel Maria Carrilho são os únicos políticos entrevistados semanalmente, enquanto políticos em actividade, num dos programas mais vistos da TV - e até são pagos para isso.

A minha "novela judiciária" chamava-se "Philly" e, esta sim, era uma autêntica novela de tribunais. Passou na RTP2. Acabou. Só por egoísmo a deixei chegar ao fim para a mencionar nesta coluna. Guardei-a para usufruto pessoal, longe do olhar crítico. Nos alvores da crítica enquanto disciplina, um tal Jean de la Bruyère escreveu em 1688 que "o prazer da crítica tira-nos o de ser vivamente tocados" pelas obras que se criticam. A análise racional rouba ao crítico a aproximação emocional no acto de observar. Não critiquei "Philly" para poder ser "vivamente tocado" pela série.

"Philly" centrava-se numa advogada, defensora dos acusados pelo Estado nos tribunais de Filadélfia. Na constelação de personagens rodeando Kathleen estavam o seu novo sócio, jovem advogado brilhante mas oportunista, o ex-marido ambicioso, os advogados do ministério público, juizes (o velho ligeiramente venal, a profissional que pousa o cãozinho na mesa da sala de audiências, o "super-homem" que se apaixona por Kathleen) e uma plêiade de arguidos e testemunhas povoando cada episódio.

O ritmo rápido compensava a repetição constante de cenários e o esquematismo dos episódios, construídos em torno de dois ou três casos, um cómico, os outros dramáticos, desenvolvidos em montagem paralela. As "perseguições" das câmaras às personagens nos corredores dos tribunais e a eficácia dos diálogos forneciam ritmo e movimento, tão vitais para a TV em ambiente concorrencial.

O carácter de cada personagem construía-se através da acção e dos diálogos rápidos e perfeitos. A forma como os personagens secundários conseguiam criar segmentos extremamente dramáticos em meia dúzia de minutos indicava o profissionalismo a que chegaram os argumentistas de topo nos EUA (a série era criada e produzida por Steven Bochco, autor de Hill Street Blues, LA Law e NYPD Blues).

Todavia, era um folhetim. Não havia mais a esperar da estrutura de tele-série, em que os momentos de pausa, quando a acção é substituída por imagens musicadas de Filadélfia, do edifício da câmara e tribunais, correspondem à mudança de capítulo da ficção escrita ou à mudança de cena no palco.

Este género de série novelesca assemelha-se à "sitcom" por evoluir lentamente na repetição das mesmas estruturas narrativas e manter quase idêntica a situação das personagens principais. Só as suas acções evoluem intensa e rapidamente, para logo serem substituídas por outras. Mas eu não queria criticar esta novela.

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Regresso à novela dos comentadores de TV para estabelecer a diferença crucial entre uns, como Pacheco Pereira, Rebelo de Sousa, Sousa Tavares, Constança Cunha e Sá e Peres Metelo, e, de outro lado, Santana Lopes e Manuel Carrilho.

Considero a forma como a SIC apresenta a prestação de Santana e de Carrilho uma desonestidade jornalística que deveria ser condenada pelos notáveis da deontologia da profissão, se se preocupassem com coisas sérias, e pela Alta-Autoridade, se ela existisse. Esta crítica não a dirijo a Santana e a Carrilho, embora colaborem na fraude.

Quer um quer outro são políticos no activo que ambicionam subir mais ainda. Carrilho quer chegar à liderança do PS e Santana, que lançou o isco presidencial para ficar na ribalta, pretende colocar-se a jeito para ser o sucessor de Durão Barroso, ambição que não poderia assumir publicamente. Com a sua putativa candidatura presidencial, esvazia a oposição à sua futura candidatura a líder do PSD.

São duas personagens sem autonomia crítica. O que dizem serve as suas ambições políticas e não o directo esclarecimento autêntico, mesmo quando parecem independentes dos seus partidos.

Pior ainda, ambos são chamados semanalmente a falar da sua própria actividade político-partidária e a "comentá-la". Rodrigo Guedes de Carvalho faz-lhes entrevistas. Porque essa é a verdadeira natureza das prestações de Santana e Carrilho: eles são entrevistados todas as semanas em horário nobre. São os únicos políticos entrevistados semanalmente, enquanto políticos em actividade, num dos programas mais vistos da TV - e até são pagos para isso.

Estas circunstâncias criam um tremendo desequilíbrio entre estes dois políticos e os outros protagonistas políticos, desequilíbrio que deveria ser eliminado, mesmo num canal privado. Tratando-se de entrevistas e não de comentários independentes, teria mais sentido a SIC entrevistar semanalmente os dirigentes dos partidos, em especial Durão Barroso e Ferro Rodrigues, do que candidatos aos lugares que eles ocupam. O que a SIC está a fazer é política, a promoção de dois futuros opositores de Durão e Ferro.

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Continuando na novela dos comentadores, falemos da condenação de Pacheco e Marcelo à nomeação do meu amigo Fernando Lima para a direcção do "Diário de Notícias". Pacheco, deputado do PSD, e Marcelo, com funções partidárias e ex-presidente do PSD, são hoje comentadores. Dentro das suas convicções, são essencialmente independentes na crítica que fazem. Mas, ao assumirem que não está bem a nomeação de Fernando Lima por ter sido assessor, qualquer deles está a pôr em causa a sua própria posição de protagonistas nos "media". Se Lima foi assessor e não pode dirigir um jornal com argumentação de falta de independência, porque podem eles, que são políticos hoje, ser comentadores, o mesmo que é um director de jornal? O comentário de ambos foi complexado e tem o efeito boomerang. Cai-lhes em cima.

O comentário não toma em conta condições concretas, o que não é aceitável. Nem Pacheco nem Marcelo nem nenhuma outra pessoa que se pronunciou sobre o assunto, como Ana Sá Lopes no PÚBLICO, nunca ninguém referiu ou se escandalizou com o facto de o actual director adjunto do "DN", António Ribeiro Ferreira, ter sido assessor num anterior governo. E não referiram que António José Teixeira, que passa para a direcção do "JN", foi também assessor. etc, etc.

Os políticos precisam de assessores de imprensa e os jornalistas estão entre os mais capacitados para o serem. Noutros países, os assessores podem prosseguir carreiras fora do jornalismo depois de saírem dos gabinetes políticos. Em Portugal, têm de voltar jornalismo, quase sempre.

Não vejo problema neste regresso à profissão. Professores, economistas e altos funcionários que passam pelo Governo também voltam às carreiras depois de servirem funções políticas. O que define as pessoas é o seu carácter e, em consequência dele, os seus actos. Um jornalista sério dará um assessor sério e regressará como jornalista sério à profissão. E vice-versa. Isto é valido para qualquer pessoa e profissão. Uma pessoa séria e de carácter só pode exercer as suas funções com hombridade e seriedade.

Há jornalistas que regressam à profissão e escrevem como assessores. Mas a maior parte reintegra-se na profissão, sabe distinguir os papéis. O mesmo sucede com os comentadores. Além de Marcelo e Pacheco, também Peres Metelo passou pelos gabinetes políticos. Isso não diminui a qualidade do seu comentário na TVI. Apenas aumenta a sua responsabilidade.