Eduardo
Cintra Torres
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Drama e Emoção na Política |
As imagens da saída de Paulo Pedroso da penitenciária e sua deslocação ao Parlamento estão entre as mais importantes de 2003.
Imagens: decisão da Relação; "charivari" das TV à porta da penitenciária; repórteres julgam que Pedroso sairá apeado; ignoram que dentro está uma delegação motorizada da direcção do PS; repórteres falam via telemóvel com advogado de Pedroso; anuncia-se que a delegação sairá em direcção a S. Bento, por decisão de Ferro Rodrigues; vê-se assessor de imprensa do PS junto da penitenciária; saem dois carros, com António Costa e Pedroso; TV acompanham percurso e passam para o Parlamento, onde o deputado Alegre politiza a libertação dizendo-a "uma vitória da democracia"; Ferro e outros esperam Pedroso nas traseiras de S. Bento; chega Pedroso, abraços e subida das escadas; novo "charivari" com repórteres em redor do grupo PS; o grupo sai de cena para uma sala donde sairá depois Pedroso, falando aos repórteres por entre nova confusão; Pedroso fala de emoções e propõe criação de comissão política sobre pedofilia; chega advogado de Pedroso, que presta declarações no Parlamento; saída de Pedroso com TV para a sede do PS; Ferro justifica a festa - Pedroso voltou ao Parlamento pois foi de lá que saiu para a prisão; desqualifica críticas ao evento por considerar que se tratou de um evento emocional.
As três vertentes principais destas imagens são a sua organização dramatúrgica, a componente emocional e a mistura de ambas com o acto político. A direcção do PS decidiu "actuar mediaticamente" isto é, recorrendo "aos veículos do espectacular e de uma construção do real baseada na encenação" (Balandier, "Le Pouvoir sur Scénes", 1992).
Com Costa e Pedroso, Ferro começou a dramatização política em Maio. Disse que o caso pessoal de Pedroso poderia ser o seu último combate político como líder do PS. Foi ele que escolheu o Parlamento como palco para a abertura do drama.
A política sempre esteve disponível para teatralizar os seus actos. E, acentuando um ponto de vista, a TV reforça a posição de cena das coisas do mundo. Mas, neste caso, foi-se mais longe.
Ferro abriu um melodrama e criou a expectativa de um final. Estabeleceu a condição teatral do caso. A comparação do evento da libertação no Parlamento com a casa do Big Brother faz sentido, pois também aí há uma narrativa "de realidade" que se vai fazendo em cena. Também se compreende que se dissesse que o PS fez de Pedroso "um herói", pois esse processo de estetização e mitificação é a consequência da invenção dramatúrgica do evento.
Evento? Daniel Boorstin chamar-lhe-ia pseudo-evento ("The Image of What Happened to the American Dream
Quando Pedroso foi libertado, Ferro viu-se obrigado a seguir o guião que criara em Maio. A politização foi total, porque Ferro não se limitou a passar o caso de Pedroso da esfera privada para a esfera pública: passou-o para a esfera do Estado. A visibilidade dum caso privado tornou-se absoluta e obrigatória, o que suscita reacções posteriores na sociedade. Exemplo: a presença na bancada do público no Parlamento de pessoas de branco (sem palavras, só a imagem, tal como Ferro no evento) no dia em que Pedroso voltou à bancada do PS.
O outro eixo principal deste caso mediático deriva da dramatização: as emoções como elemento constitutivo da acção política. As emoções na política não são nada de novo e não há que evitá-las. Aristóteles descreveu-as há 23 séculos na "Ética Nicomaqueia" e na "Retórica". Mas o autor grego defendia inteligência na gestão emocional, equilíbrio entre emoção e intelecto.
Foi Ferro quem chamou as emoções à cena de palco no Parlamento. Fê-lo para desculpabilizar o "charivari" nos corredores e escadaria, para "despolitizar" as imagens. Mas as imagens são de políticos em festa no Parlamento - pelo que Ferro emocionalizou a política, colocou as emoções acima do discurso político, fez da expressão pública das emoções o próprio discurso político. Como no teatro, bastavam gestos: na tarde do evento, das traseiras do Parlamento até ao gabinete, Ferro não falou, apenas exprimiu emoções através de gestos, isto é, usou os sentimentos como "elementos não discursivos" (Jeff Goodwin et al, "Passionate Politics", 2001). No evento dramático de Pedroso, a própria emoção afirmou-se "como comunicação" (Anthony Giddens, "The Transformation of Intimacy", 1992).
As emoções vistas na chegada de Pedroso ao Parlamento, certamente genuínas, são no ecrã inautênticas: porque se trata de um pseudo-evento dramático e em que a expressão política se faz através da emotividade. São "emoções manufacturadas" (Simon Williams, "Emotion and Social Theory", 2001) para serem vistas no palco mediático. Como nos "talk-shows" e "reality-shows", verifica-se a "tendência convencional dos nossos dias" de "representar a emoção como formulação e autenticação de experiências" (J.M. Barbalet, "Emoção, Teoria Social e Estrutura Social"). Daí resulta que esta autenticidade encenada é uma "autenticidade artificialmente forjada" (Stjepan Mestrovic, "Postemotional Society", 1997).
Em resumo:
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