Eduardo
Cintra Torres
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Uma Pública Lágrima |
Analiso hoje outro noticiário ao acaso, desta vez o Telejornal (TJ) da RTP1 de quinta-feira, 11/09. Dura 76 minutos com o intervalo de 10. Constitui-se de 45 items, dos quais três promoções de notícias, uma delas o directo que fecha o TJ: uma ligação aos fogos, sem informação relevante. É o maior item, com seis minutos. No outro directo, a Nova Iorque, o "enviado especial" (foi de Washington a Manhattan, como de Lisboa ao Porto) intervém sem nada acrescentar.
Temas principais: aniversário do 11 de Setembro, com 5 items e 12 minutos (18,1%); incêndios e calor, com três items e nove minutos (13,6%); futebol, quatro notícias e oito minutos. O desporto ocupa o mesmo tempo que o 11 de Setembro (18,1%). A recordação dos ataques terroristas inclui um "filme" destinado menos a recordar do que a glorificar a sua retransmissão pela RTP: Rodrigues dos Santos aparece três vezes, como se ele fizesse parte do 11 de Setembro.
O TJ recorre ao "microfone de rua" cinco vezes. Só uma é irrelevante. As imagens de arquivo surgem nove vezes, nenhuma assinalada. Em oito, era aconselhável a menção a arquivo. No geral, não só os temas como o seu tratamento e ainda a escrita do noticiário da RTP1 são regulares, havendo items sofríveis, outros bons, outros maus. Aqui ficam alguns erros ou incorrecções.
O TJ usa cinco vezes "tudo", "toda" e "todos", auxiliares grosseiros que substituem o rigor. Exemplos: "Para apurar toda a verdade, o ministro mandou abrir um novo inquérito." Como sabe a jornalista que esse é o objectivo do ministro? E o que é "toda a verdade"? Sobre o juiz Teixeira afirma-se: "O que fez a seguir já todos sabem." O abuso de linguagem é igual a mentira: todos, quem? Os jornalistas? Os juízes? Os espectadores? Outra notícia diz: "quase todos dão como garantido" que Teixeira fica. Os "quase todos" não são identificados com um substantivo.
Há notícias não confirmadas. Para as apresentar à mesma, o TJ usa auxiliares verbais como "podem avançar com um processo-crime" (sim ou não?), "os passageiros parecem não ter reparado" ou o PP "deverá indicar" novo governador civil (sim ou não?). Para dar vida a uma reunião de Estado, o TJ transformou o estudo da "possibilidade de enviar militares" para o Iraque numa realidade: "seria um contingente para além dos 130 homens da GNR". Não sendo isso "de resto" (muleta inútil) "uma posição consensual", o TJ diz que "o certo" é o assunto ter estado "em cima da mesa".
Há formas verbais incertas, interpretáveis como comentários: diz-se que Rui Teixeira "chegou a ser" jornalista (isto é, foi); em vez de informar que Bush ainda não tinha visto novas imagens de Bin Laden, o TJ afirma que ele "diz que não viu". O verbo ir como auxiliar do futuro é usado dez vezes. Exemplo: a "Varig vai reforçar", em vez de reforçará ou apenas reforça. Uma notícia sobre armadores açorianos confundia o presente, o passado, o futuro e o condicional: não se percebia nada.
Uma notícia interpela directadamente os espectadores: "Lembram-se?" Referia-se a "um 'chapéu' de Poborski". A pergunta mais tosca do TJ é feita a um comprador de bilhetes para os Rolling Stones: "Então como é que se sente?"
Há poucas imagens desajustadas dos textos, mas a Via Verde é ilustrada com um indivíduo a encher o depósito de gasolina e, enquanto se fala sobre apoio a deficientes, um monitor mostra o logótipo da RTP ardendo por entre chamas. O Instituto de Estradas de Portugal é identificado como "empresa".
Há metáforas e outros recursos estilísticos horríveis. Rodrigues dos Santos pergunta para Nova Iorque: "A ferida continua muito aberta (...) ou já começou a cicatrizar?" A resposta de Pedro Bicudo é pior: "Há um processo de cicatrização, mas a memória continua ainda em carne viva." Um grafismo das Torres Gémeas caindo é acompanhado por um momento triunfal da Rhapsody in Blue de Gershwin. Uma fila de pessoas paradas é apresentada como "uma corrida desenfreada". A frase de mais mau gosto do TJ é dedicada à ministra sueca assassinada: "Anna resistiu a muito [na vida política] mas não aos golpes no estômago e no fígado." A ministra foi tratada três vezes nesta notícia pelo nome próprio Anna: a autora da notícia e Rodrigues dos Santos devem ter andado com ela na escola.
O jornalismo actual faz de temperaturas vulgares da época notícias de sensação. A notícia mais tola do TJ refere-se ao calor. Abre com um lugar comum: "O Alentejo foi hoje a região mais quente do país." Acrescenta, genial: "Os alentejanos adaptam-se rapidamente." Termina com uma bomba noticiosa: "O Verão ainda não acabou."
Das notícias do futebol, só uma mostrava jogos. As outras mostravam treinos, criavam expectativas. Os monitores publicitam com grande destaque os logótipos dos três principais clubes. Sobre o treino do Benfica pergunta-se: "Estará Camacho nervoso por quase certamente não poder contar com (...)?" Para ilustrar o "nervosismo" inventado pelo repórter, vê-se Camacho com um dedo ao pé da boca. O "quase certamente" revela que a notícia não foi confirmada.
Sobre o treino do Sporting, abre-se com uma bomba: o treinador da equipa "quer ganhar" o jogo seguinte. O repórter diz que a equipa "já esqueceu a derrota" anterior, mas a declaração dum jogador pressupõe o contrário. O repórter acha que o treinador prepara a equipa "longe da imprensa" por "apenas" lhe permitir assistir a 15 minutos do treino.
Embora o espectador sinta pequenas diferenças no estilo e alinhamento do TJ face aos noticiários da SIC e da TVI, o TJ do "serviço público" é normalmente considerado como um entre iguais. Esta igualização deve-se a que o TJ é estruturalmente idêntico ao outros noticiários generalistas. Factos:
- A duração do TJ e do intervalo publicitário assemelham-se às dos concorrentes. |