Eduardo Cintra Torres

Os Espectadores Esperam por Programas e Vice-versa


Chegamos, assim, ao Verão com os três operadores generalistas com as contas controladas. Os três saíram do buraco. Ainda bem. Mas falta o resto: os programas.

Não há dinheiro! Não há dinheiro! Toda a gente diz o mesmo. Até os proprietários e programadores de TV falam mais em dinheiro do que em programas.

É bom que se fale em dinheiro para que também os espectadores saibam que não há programas grátis. Há um ano, a SIC retraía brutalmente os custos de programação, uma entre várias medidas para evitar a falência. A TVI manteve a programação centrada em telenovelas produzidas em série, num Jornal Nacional inflacionado e na repetição de programas. E a RTP iniciava o processo de emagrecimento a todos os níveis.

O trabalho da administração da RTP em um ano é notável tendo em conta a situação incrível em que a encontrou. A clarificação de gastos, as poupanças, o fecho da inútil RTC, a racionalização de meios e estruturas, o emagrecimento de pessoal, etc, pouparam aos cidadãos milhões de contos sem que estes notassem quebra nos serviços que lhes são prestados.

Chegamos, assim, ao Verão com os três operadores generalistas com as contas controladas. Os três saíram do buraco. Ainda bem. Mas falta o resto: os programas. Quando ligam o televisor, os espectadores não vêem empresas, vêem os programas que estas lhes fornecem. E é "só" isso que falta.

Os dois privados manterão o mesmo tipo de programação actual, que é das mais fracas de sempre desde o advento da TV privada. Não há dinheiro... e não há programas. Este quadro manter-se-á dado que a TV generalista não recuperará espectadores. Há hoje menos gente a ver a RTP1, a SIC e a TVI do que em anos anteriores; o «outro canal» (cabo, satélite e vídeo) é o único que aumenta com consistência desde 1999, quer em "rating" quer em parte de audiência ("share").

Mantém-se a tendência histórica de haver menos receitas publicitárias para os generalistas, menos dinheiro para programas. E que programas se farão? Estou convencido de que nas privadas se acentuará o padrão do regresso às origens da TV nos anos 40 e 50, com o máximo de programas em directo: "talk-shows", muita conversa, música pop da moda, "reality shows" e derivados (como os "apanhados"), programas de anedotas, "eventos" sem qualquer relevância, programas de "informação" de todo o tipo (incluindo notícias...). Haverá muitas repetições de programas "em directo". Quanto a ficção, apenas telenovelas e, no máximo, "sitcoms".

Os programas de informação permitirão a todos os generalistas iludir a ausências de programas à antiga e de verdadeiros espectáculos. Haverá conversa sobre futebol em vez de jogos de futebol; e conversa sobre actores em vez de filmes. Haverá imensos programas de "conhecidos" em que os "conhecidos" nada mais farão que falar da "reality" e quase nada farão de substantivo na área do entretenimento criativo. A TV generalista tentará criar a ilusão da hiper-excitação permanente, a qual substituirá os conteúdos. O espectador terá a ilusão de ver espectáculo quando verá apenas o ruído em torno dum espectáculo inexistente.

Do lado da TV temática tenderá a haver mais canais, e os canais estrangeiros terão de se adaptar ao público português ou perderão espectadores. Continuará o aumento do investimento publicitário no cabo. Todavia, o país é pequeno e parece não ter massa crítica suficiente (criativos e espectadores) para que haja real investimento em programas de qualidade no cabo. À parte alguns programas do universo SIC e agora um ou outro do NTV, bem como alguns da SporTV, o mercado parece não conseguir fazer mais programas de relativa qualidade (o canal de música MTV iniciou a emissão portuguesa com o mais idiota dos temas: "a Semana da Música"!).

E quanto à RTP? Em declarações públicas recentes, os programadores da RTP1 só falaram de "shares" e esqueceram-se dos programas. Ora, o serviço público mede-se tanto por qualidade como por espectadores. Não pode haver glória num aumento de "share", para mais resultante do excesso de futebol e de Operação Triunfo, sem a glória da melhoria de qualidade. A programação da RTP1 permanece muito fraca, apesar de acertos e da anulação de desvarios rangelianos, de alguns tópicos novos, de alguns momentos isolados e do empenho posto na informação.

Nesta última, porém, acentuou-se nas últimas semanas uma clara tendência para beneficiar o governo. Se é certo que a oposição não tem nada para dizer, que o governo tomou a iniciativa e apresentou obra, o que obrigava à cobertura informativa, é mesmo assim necessário um equilíbrio que faltou. No caso do Jornal 2, verifica-se uma agenda própria para entrevistar aos molhos dirigentes dos partidos da maioria, membros do governo e ainda, para iludir o pluralismo, dirigentes do PS. Isto ocorre num noticiário empastelado em que as entrevistas são longuíssimas e muitas vezes totalmente deslocadas, como os 22 minutos de Guilherme de Oliveira Martins e Elisa Domingues sobre a visita do presidente brasileiro.

As novidades da programação da RTP1 são ainda poucas e algumas de mau agoiro: chanchadas de manhã e à tarde, anedotas, concursos popularuchos, repetições, "eventos" em torno do futebol. Corremos o risco de estar a pagar uma programação que, sim senhor, tem 20 por cento de "share", mas que pouco se caracteriza como de interesse público e que faz concorrência aos privados no mesmo terreno em que estes são obrigados a mover-se por falta de dinheiro e de audiência. Não faz sentido.

Veja-se este alinhamento da RTP1 aos dias de semana: péssima novela "Lusitana Paixão", repetição do péssimo "Camilo, o Pendura", péssimo "O Preço Certo em Euros", Telejornal e anedotas do Tonecas. Alguém falou em serviço público? Até agora, o que está no ar é um canal popularucho para dourar a pílula das entrevistas ministeriais e de um ou outro programa aceitável na filosofia de serviço público. Até agora -- e já passou um ano desde a mudança de gerência e programadores -- este conceito de canal público não é diferente do de Arons de Carvalho e Emídio Rangel.

É evidente que se pressente o desejo de mudar para melhor e que se vêem alguns sinais, mas é pouco. Falta um projecto identificável e predomina ainda o conceito economicista que impede a RTP de investir naquela que é a sua única, mas mesmo única missão: mostrar programas decentes no écrã. Os responsáveis da RTP1 devem ao país uma explicação sobre o seu conceito de serviço público e sobre a programação que pretendem apresentar em Setembro.

Nota: O Olho Vivo semicerra as pálpebras por duas semanas, regressando de férias na segunda-feira, 11 de Agosto.