Eduardo Cintra Torres

Pirosa Choque; Etc


Pirosa Choque: Convencida como é, Teresa Guilherme disse que o seu programa de sábado na TVI teria mais audiência se passasse às terças ou quintas. São desculpas. O "Rosa Choque" não tem mais audiência porque é uma grandessíssima porcaria, quaisquer que sejam os critérios de avaliação, mesmo os dela.

Pretende ser um talk-show no feminino, com a mulher no comando, quais Anjos de Charlie. Na abertura, as quatro apresentadoras - a Guilherme, Cinha Jardim, Júlia Pinheiro e Margarida Rebelo Pinto - aparecem vestidas de couro negro e por entre fumos brancos desaparecem num helicóptero. A coisa é um bocado tola, mas eficaz a passar a mensagem de mulheres-amazonas.

Tolo é o programa todo. O estúdio é tosco, pobrezinho, com um mobiliário moviflor pintado de rosa choque para disfarçar. O programa procura transformar conversa de café em televisão. Ora, uma conversa de café é muitíssimo interessante, mas para quem participa nela. As suas regras - temas, interrupções, nuances, ordem das intervenções, gestos - são por todos nós cumpridas com competência e gosto se somos parte da conversa. Ao pretender-se passar uma conversa para um programa de entretenimento, há que saber fazê-lo, adaptando-a às convenções da TV. Não é o caso.

A conversa das quatro gralhas do Rosa Choque num estúdio é absolutamente insuportável. As quatro (aliás, três no sábado passado, sem Rebelo Pinto, que é péssima naquilo e aquilo é péssimo com ou sem ela) falam aos gritos umas por cima das outras, interrompem-se.

Claro que esta forma corresponde a um conteúdo do mais indigente vazio. Das quatro cabecinhas não sai uma frase interessante, uma ideia nova, uma piada com piada. Até faz aflição ver Júlia Pinheiro baixar uma vez mais a fasquia. Porque diz que sim a todas as porcarias? E quando voltará a TV a deixá-la apresentar um bom programa?

Num ecrã pindérico por trás da Guilherme aparecem umas graçolas visuais que pareceriam feitas por alunos do 7º ano de escolaridade obrigatória se estivessem mais bem feitinhas. Os convidados-homens são submetidos a uma barreira de perguntas desinteressantes e comentários primários. Ou então são eles mesmos desinteressantes ou primários. A Guilherme transforma as taras pessoais em matéria televisiva, mas o resultado é desastroso.

O programa completa-se com umas "reportagens" de Cláudio Ramos, pessoa que se acha talhada para a TV e que faz tudo com um enorme afã para mostrar como se acha talhado para a TV. Esses segmentos gravados até fazem aflição pela mediocridade do indivíduo, e servem como matéria de estudo para se ver como alguém que quer muito ser uma coisa acaba por revelar no seu ultra-voluntarismo uma total incapacidade para ser essa coisa.

O fracasso do "Rosa Choque" levou ao seu fim antecipado. Acaba no próximo sábado. E ainda há quem diga mal das audiências.

Acabar com a dor: A SIC Mulher vai dar uma volta à programação. Devia tê-lo feito antes de ir para o ar, mas mais vale tarde. O programa "Sexto Sentido" terá nova apresentadoras, em vez de Rita Stock. Com ela, o "Sexto Sentido" foi o mais amadorístico talk-show da TV portuguesa dos últimos 800 anos. Foi no "Sexto Sentido", numa entrevista a uma especialista na dor, que eu ouvi uma loira perguntar à médica se as ruivas sentem mais a dor do que as loiras.

Imagens de arquivo: O caso da Casa Pia é realmente uma cabala - mas o alvo não é o PS. É a SIC. Em quatro meses, a polícia levou-lhe Carlos Cruz, levou-lhe um político comentador da SIC Notícias (Paulo Pedroso), quase lhe levou o peso-pesado Herman José e ainda deteve um convidado dum programa em tempos apresentado por Carlos Cruz, Noites Marcianas (Ferreira Diniz).

O ambiente de cabala justifica uma escrupulosa gestão das imagens de arquivo nos noticiários. É notória na SIC a ausência de imagens de arquivo do programa de Carlos Cruz com crianças, do programa de Carlos Cruz sobre cabalas (Escândalos e Boatos), das participações de Pedroso na SIC Notícias e de Diniz nas Noites Marcianas. Isto para não falar dos momentos mais perversos de Herman no Herman SIC.

É terrível como a vida privada das pessoas se expõe num "media" como a TV mesmo quando nada há de vida privada nas imagens ou nas palavras citadas. Se a SIC usasse as imagens e segmentos e arquivo que referi, o espectador faria de imediato uma leitura relacionada com a vida privada das pessoas envolvidas. Este é um exemplo de como nem mesmo as imagens de arquivo usadas como palha para encher notícias são inocentes. As que se usam e as que não se usam.

Contar mesmo a multidão: Mário Mesquita escreveu há meses um texto sobre o tema da contagem das multidões em manifs. Como informar correctamente leitores ou espectadores sobre a quantidade de gente presente nas iniciativas políticas?

O "Miami Herald" informa que a tecnologia já permite medir com precisão as multidões. Uma empresa da Califórnia faz fotografia aérea de alta resolução com "software" que conta os manifestantes, um a um.

A tecnologia foi inventada para contar peixes em cardumes nos rios ou árvores em pomares. A empresa foi contratada em Fevereiro pelo "San Francisco Chronicle" para contar uma manif contra a guerra. Os organizadores reclamavam mais de 200 mil pessoas na marcha, mas as fotos aéreas contaram 65 mil, isto é, um terço. Numa manif em Miami, a polícia contou 40 mil, mas a foto aérea registou 5000. Um oitavo.

À falta de recursos entre nós para este processo sofisticado de contar multidões, aqui deixo uma sugestão: que os repórteres usem uma máquina de calcular e dividam por três ou por oito as estimativas.

Pedaços de multidão: O jornalismo televisivo caseiro tem revelado uma tendência para evitar panorâmicas das manifestações quando o número de participantes é pequeno. Essas reportagens fazem de propósito para não nos mostrarem a verdade acerca do número real de manifestantes.

Porque será que essas notícias nunca mostram a "multidão" em conjunto e apenas mostram planos médios com pequenos grupos, evitando que o espectador saiba que, do ponto de vista da mobilização, aquela iniciativa foi um fracasso?

Julgo que a razão é esta: mostrar o fracasso da manif seria revelar a pouca ou nenhuma importância da notícia. A reportagem omite imagens de conjunto porque não quer dizer-nos que empola uma iniciativa que não teve a participação nem mesmo dos que pretendia mobilizar. A notícia mente ao espectador para dar sentido à sua narrativa, para dar valor ao acto comunicativo e não ao seu conteúdo.