Eduardo Cintra Torres

A Síndrome do Gás Hilariante


Os apresentadores de entretenimento sofrem quase todos da síndrome do gás hilariante: Serenela Andrade e Isabel Angelino são dois expoentes absolutos da tele-euforia, mas estão bem acompanhadas por Manuel Luís Goucha, Teresa Guilherme, Jorge Gabriel, etc.

Ver de novo Catarina Furtado na apresentação de um concurso (Operação Triunfo, RTP) deixou-me prostrado. Não que o faça mal: é apessoada e vistosa e sabe fazer perguntas. Então o que será que me cansa?

É a máscara do riso, o som do riso, a dentadura do riso, o gesto em riso, o corpo em riso, a pergunta em riso, o nariz em riso, a piadinha em riso. É o risinho, a risota, a risada, a gargalhada nervosa. A felicidade excessiva. Cansa-me. O defeito é meu, eu sei, mas cansa-me.

A maior parte dos apresentadores de entretenimento parece que apresentam sempre os programas sob o efeito de éter, (CH3CH2)2O, ou de dióxido de nitrogénio, NO2. São os chamados gases hilariantes. Catarina Furtado é apenas um dos apresentadores de TV que parece sofrer da síndrome do gás hilariante: ela manifesta uma euforia exagerada face às circunstâncias. Em termos médicos, poderíamos dizer que este "estado expansivo de humor pode aparecer como reacção emocional a alguma vivência muito agradável... a nível de uma situação real". Manifesta-se como "uma reacção compatível, mas desproporcional ao evento causador".

No caso dos apresentadores, não se trata, felizmente, de uma patologia, mas é ainda assim um comportamento social muito contagioso: não só influencia as audiências e os potenciais futuros conhecidos que em casa bebem nos ecrãs todos os gestos dos seus ídolos, como é comum aos participantes em certo tipo de programas.

O gás hilariante usava-se em espectáculos e como droga leve - uma espécie de charros do século XIX. Ainda não havia televisão. Pessoas ilustres como o poeta Coleridge participavam no que ficou conhecido na Inglaterra e EUA por "ether parties" ou "ether frolics", reuniões de amigos em que se inalava éter ou dióxido de nitrogénio. Um dos homens que organizava espectáculos públicos com gases hilariantes era Samuel Colt, o mesmo que inventou o revólver em 1836. Ainda jovem, na fábrica do pai, inalava gás hilariante quando estava chateado.

Um anúncio de imprensa do século XIX a uma demonstração de dióxido de nitrogénio algures nos EUA mais parece a autopromoção de um programa de entretenimento televisivo do início do século XXI: "O efeito do gás é fazer com os que o inalam se riam, cantem, dancem, falem ou lutem, etc., de acordo com o traço principal do seu carácter. Eles parecem reter suficiente consciência para não dizerem ou fazerem coisas de que teriam ocasião para se arrepender." A TV, que também nos chega pelas chamadas "ondas do éter", é hoje a organizadora das "ether frolics" da sociedade inteira: o gás hilariante chega a todos os lares.

Os apresentadores de entretenimento sofrem quase todos da síndrome do gás hilariante: Serenela Andrade e Isabel Angelino são dois expoentes absolutos da tele-euforia, mas estão bem acompanhadas por Manuel Luís Goucha, Teresa Guilherme, Jorge Gabriel, etc. Há também apresentadores que apenas têm acessos de gás hilariante, como Eládio Clímaco, que quando deixa a locução de documentários e passa a apresentar espectáculos se transforma em Eládio Clímax.

Os estados de euforia dos apresentadores não são todos idênticos; mudam consoante as pessoas ou os momentos, naturalmente. Em geral, escolhem o registo da "euforia simples", que se traduz "por um estado de completa satisfação e felicidade". Toda a gente tem de ser feliz como eles. Quem não for ou não estiver feliz é socialmente condenável. Não merece estar na televisão. Os convidados dos apresentadores eufóricos têm de munir-se, eles mesmos, da síndrome do gás hilariante.

Euforia, risos de plástico, dentaduras superbrancas, lágrimas furtivas, emoções, muitas emoções. A expressão da emotividade, tão antiga quanto o ser humano, atingiu na primeira metade do século XX um novo patamar: a comercialização das emoções. O primeiro a notar a transformação da emoção em mercadoria terá sido o sociólogo americano C. Wright Mills, em 1951 - precisamente na mesma altura em que a TV e o plástico entravam nos lares e na vida quotidiana. Mas a verdade é que Karl Marx (sempre ele!) já punha a hipótese da mercantilização de coisas etéreas no seu "Capital": "Coisas que em si e por si mesmas não são mercadorias, coisas como a consciência, a honra, etc., podem ser vendidas por quem as possui e desse modo adquirir a forma de mercadorias através do seu preço."

O primeiro estudo das emoções como geradoras de emprego e caracterizadoras da profissão foi realizado em 1983 com hospedeiras de bordo (Arlie Hochschild, "A Gestão do Coração"). O autor argumentava na linha de Marx e Mills, considerando que a experiência de trabalho emocional associada a muitas profissões com atendimento ao público acrescentava uma nova dimensão da exploração dos trabalhadores nas sociedades capitalistas.

A evolução recente do desenvolvimento humano parece indicar que não é exactamente assim: uma investigação de Amy Warton, em 1993, demonstra que os trabalhadores emocionais (como as hospedeiras) não são mais susceptíveis do que os outros trabalhadores "de sentir as suas emoções como não autênticas". O fingimento emocional é assumido como autêntico, torna-se real, parte da personalidade do indivíduo. Os concorrentes da Operação Triunfo dirão, como uma vencedora espanhola, que se sentem "eles mesmos", quando, afinal, representarão um outro eu, da mesma forma que Catarina Furtado é ela mesma quando entra em síndrome de gás hilariante.

Vivemos uma época em que muita gente da e na TV tem de se comportar como as sempre felizes hospedeiras de bordo, a demonstrar como se põe a máscara ou a empurrar os pesadíssimos carrinhos por corredores estreitos a dez mil metros de altitude. A felicidade tornou-se obrigatória, como o indica o "slogan" tão divulgado "façam o favor de ser felizes".

Os apresentadores, os concorrentes e os participantes nos programas de entretenimento entram em período de "ether frolics" logo que o sinal da câmara indica que estão no ar. É uma canseira, fico prostrado e a pensar que, para espectadores no mesmo estado de espírito que eu, a TV, que pensa em todos nós, deveria proporcionar-nos programas apresentados por indivíduos antipáticos, que não se riam por tudo e por nada e que digam o que ninguém quer ouvir. Pessoas como o Jack Nicholson de "Melhor é Impossível", fantástico personagem construído como o inverso das pessoas que "fazem o favor de ser felizes". Mas, claro, isso pode ser também apenas uma outra forma de representação.