Eduardo Cintra Torres

Tarot para 2003


Operadores e mercado publicitário preferem perder audiência a arriscar fora dos géneros em exibição. Consequências? Têm cada vez menos referências de "qualidade", isto é de história.

O que esperar da televisão em 2003? Sem os recursos científicos das cartas da Maya - em infalível versão informática - ou dos astros de Paulo Cardoso - observados decerto pela lente do telescópio Hubble -, o Olho Vivo propõe algumas previsões para a TV, as quais, não sendo científicas como aquelas, são péssimas.

- O prime-time da TV generalista comercial ficará reservado para:

Informação corrente (telejornais) ou dramática (casos da vida, futebol, etc).

"TV-realidade" (Big Brother, Operação Triunfo, Casa do Toy, Vidas Reais)

Telenovelas portuguesas e brasileiras

Concursos

Futeboladas e estórias da futebolada e dos futebolistas

Uma série esporádica de ficção nacional por canal; as "sitcom" serão diminutas.

Os programas de "TV-realidade", sejam eles os "reality shows" ou outros aparentados, vieram para ficar. Sobre isto, mais para a semana.

A ficção estrangeira, incluindo cinema, ficará para fora de horas ou fim-de-semana.

Este panorama já o leitor conhece de 2002. Terá de continuar?

-Este padrão de programas corresponde ainda, de facto, à opção do maior número dos espectadores que estão disponíveis a ver TV.

- Operadores e mercado publicitário preferem perder audiência (vem aumentando o número dos que vêem menos ou nenhuma TV) e perder espectadores das chamadas classes A/B e C1 a arriscar em novos programas fora dos géneros já em exibição.

Consequências? As estações têm cada vez menos referências de "qualidade", isto é de história. Em termos gerais, os anos que passaram foram anos sem história para a RTP, a SIC ou a TVI. Em termos de programas, pouco têm para se orgulhar. Esta é a programação dos accionistas, não dos programadores e espectadores.

-A encruzilhada em que se encontra a TV generalista passa pela inevitável diminuição das audiências dos generalistas: muitas pessoas ou deixam de ver TV ou passam-se, cada vez mais, para cabo, DVD, etc. Se há menos gente das classes A/B e C1 a ver, há menos receitas. Se há menos receitas, há menos dinheiro para fazer programas; e os programas que são feitos dirigem-se em primeiríssimo lugar para os sectores menos dinâmicos e menos exigentes da sociedade (classes C2 e D).

- A estratégia dos operadores generalistas passa pelo crescimento da TV temática: a SIC foi pioneira, tendo hoje cerca de 25% da audiência da TV por cabo em Portugal com os seus canais; muito em breve começará o SIC Mulher. A MediaCapital está para lançar projectos no cabo. A RTP já anunciou canais, além de alimentar o NTV.

- Num mercado pequeno, e com o mercado em crise, os operadores não querem investir em projectos de informação e de ficção um pouco mais sólidos. Recorde-se que a SIC ainda não apresentou A Aldeia da Fonte e outras séries já feitas com receio de curta audiência.

À parte a Jóia de África num privado e alguns projectos caros da RTP, como os Távoras, não tem havido ousadias no domínio da ficção. O padrão de produção tem sido o habitual no lançamento dos detergentes: os produtos ficcionais são adaptados àquilo que se julga que o "grande público" quer. O resultado tem sido invariavelmente ficção de má qualidade, que não agrada especialmente e não deixa rasto. Das novelas da TVI, só a Jóia de África se distinguiu, a única que foi toda preparada antes da estreia, sem intervenção do "grande público", isto é, das opções das audiências.

Quanto ao canal generalista de "serviço público", este ano será decisivo para se entender qual dos modelos será, em linhas gerais, aplicado:

- O modelo proposto pelo Grupo de Trabalho, de que fiz parte, e que foi parcialmente considerado nas Novas Opções do governo para o audiovisual, isto é: um canal de serviço público sem palhaçada, pimbalhada e populismo, com informação, ficção, cultura, programação infantil e juvenil, documentários, etc.

- O modelo Wolton-Arons, que Emídio Rangel começou a desenvolver, e que é a eterna tentação faustiana dos governos e programadores: procurar o máximo de audiências com programas do tipo Operação Triunfo, Preço Certo em Euros, Prós e Contras e futebolada.

Para pôr em prática o primeiro modelo é preciso coragem; para pôr em prática o segundo é preciso dinheiro. Há na actual RTP1 sinais contraditórios, mas a programação herdada de Rangel continua a marcar a grelha.

Regresso ao Távoras: os mais recentes episódios de o Processo dos Távoras (RTP1) apresentaram algumas melhorias na desenvoltura das cenas, nos diálogos (todavia ainda bastante incipientes) e na banda sonora de Pedro Osório. Este mostrou ter trabalhado como um amador: fez umas «experiências» nos primeiros episódios, prejudicando o drama, sem o entender.

Estes episódios confirmam o grande rigor do argumento de Moita Flores na utilização dos documentos históricos. Mas confirmam também o que escrevi na crítica dos primeiros quatro episódios: uma tragédia é uma acção única; na adaptação a uma série de longa duração com esta, haveria que criar intrigas secundárias. Isso não foi feito. Em consequência, apesar do crescente dramatismo da acção única (aproxima-se o holocausto das vítimas), nada há de "adicional; à intriga principal. Por exemplo, no episódio da semana passada, houve confissões sob tortura e pouco mais. Apenas a força avassaladora do turbilhão da tragédia mantém o interesse. No conjunto, a série é uma lufada de sanidade mental, verdadeira alternativa nacional na TV generalista.

Insulto inadmissível aos portugueses: a TV Cabo deveria agir imediatamente e proibir um programa do canal Hollywood chamado Fotogramas. Trata-se de uma coisa espanhola, falado no original em castelhano. Nele se apresentam os filmes em exibição no canal e em estreia nas salas... espanholas, com a dobragem em castelhano. O programa serve para publicitar a revista em castelhano do canal, com o mesmo título do programa. O magazine é fraquíssimo como muitos e muitos outros em exibição em todo o mundo.

O que o distingue, em Portugal, é a mais inaceitável "versão portuguesa" que jamais na minha vida me foi dado ouvir. Os dois "locutores" são provavelmente espanhóis que estudaram português por correspondência em Ceuta ou Melilla. A "língua" que falam é inexistente: tem bocados de gramática do castelhano, alguns fonemas em português, outros talvez no dialecto galego, outros são inventados pelos "locutores". Aquilo é abaixo de cão, incompreensível em mais de três quartos, um insulto a qualquer espectador português. Esta é a face mais horrorosa do mini-imperialismo espanhol em Portugal: a pata do monstro Ignorância-Arrogância, sempre muito activo para cá do Ebro. Se a TV Cabo não agir de imediato contra aquele aborto, alguma coisa terá de ser feita pela Alta Autoridade (ainda existes, Alta? Ou estás de baixa?).