Eduardo Cintra Torres

A Televisão Que Vemos, 10 Anos Depois


Em 10 anos os portugueses mudaram radicalmente as suas escolhas televisivas, adoptaram a televisão generalista privada como primeira escolha e optaram natural e crescentemente pela televisão paga em busca de alternativas temáticas aos quatro canais terrestres.

Dez anos depois do início da TV privada, que televisão vêem os portugueses? Que dizem os números? Principais conclusões:

1) A TV do Estado perdeu em dez anos 3/4 da sua parte de audiência, ou "share". Se em 1992 tinha a quase totalidade do público de TV (excluindo franjas que viam TV espanhola, satélite e vídeo), os dois canais do Estado têm em 2002 uma parte de audiência de 26,2 por cento.

2) Três milhões ou 30 por cento dos portugueses dispõem de alternativas aos canais terrestres.

3) Os privados generalistas, SIC e TVI, têm quase 2/3 de "share" (63,3 por cento).

4) As alternativas aos quatro terrestres têm aumentado paulatinamente a sua parte de audiência, devendo chegar a Dezembro com um share de 11,5 por cento. Só o cabo atingiu pela primeira vez em Setembro uma parte de audiência de 10 por cento, enquanto satélite e vídeo são duas alternativas estáveis (dois por cento ou menos). É previsível que a parte de audiência alternativa do cabo, satélite e vídeo cresça sustentadamente nos próximos anos.

5) Os canais da SIC (Notícias, Gold, Radical), da RTP (África, NTV) e o SporTV têm uma parte de audiência de 8,7 por cento dentro do conjunto de alternativas e de quase um por cento de "share" total de TV do país. A TV não-generalista nacional constitui assim uma escolha importante dos espectadores que dela dispõem, mas parece incapaz de gerar receitas que permitam um crescimento em canais de grande investimento.

6) O mercado alternativo português é frágil, só sendo possíveis canais de maior investimento como a SIC Notícias em parceria (no caso, entre a SIC e a TV Cabo Portugal). De facto, a parte de audiência do maior grupo de canais temáticos, os da SIC, é de 6,6 por cento no cabo, o que sendo bom em percentagem significa apenas 62000 espectadores diários, ou 0,7 por cento de share nacional. A crescente implantação do NTV no Grande Porto (de 0,3 para 1,4 por cento em Setembro, "share" anual de 0,9 por cento) indica, entretanto, que há nichos para verdadeiros canais portugueses de minorias ou temáticos.

7) A opção do espectador por pagar o cabo não significa que pretende afastar-se dos canais terrestres mas que quer alternativas ou que é selectivo nas escolhas. De facto, a primeira opção pelo cabo visa ter em casa os canais terrestres com melhor imagem. As escolhas do universo do cabo e satélite indicam que os quatro canais nacionais terrestres são ainda a principal opção: 71,3 por cento vêem TVI, SIC, RTP1 e RTP2.

A audimetria permite uma exploração mais fina que fornece tendências seguras para o futuro. Já referi o constante crescimento das alternativas, especialmente do cabo. Onde e quem garante o crescimento das alternativas aos canais terrestres? É no universo dos lares com TV por cabo que encontramos tendências.

1) Nos lares com TV por cabo, 28,7 por cento do tempo é gasto com alternativas aos terrestres. O «quinto canal» já tem uma parte de audiência superior a qualquer um dos quatro canais nacionais. No próximo ano esse "share" deverá chegar aos 30 por cento, sendo já este ano de 31,3 por cento na Grande Lisboa. Este é um dos sinais mais importantes da complexificação das audiências, em consequência da complexificação da própria sociedade.

2) A análise regional indica forte assimetria: enquanto no Interior o cabo tem um "share" de 2,3 e no Sul de 5,3, no Grande Porto o cabo já é de 11,8 por cento e na Grande Lisboa caminha para os 20 por cento (média de 18,4 este ano).

3) As alternativas aos canais terrestres são um fenómeno em primeiro lugar urbano, devido ao condicionalismo técnico da expansão das redes de cabo, mas apresentam uma tendência para crescer sustentadamente em todo o país. A evolução mensal mostra um crescimento sustentado em todas regiões, incluindo o Interior (cresceu de 1,4 para 4,6 por cento desde Janeiro) e o Sul (de 3,7 para 7,6 por cento).

4) No universo do cabo, alguns canais temáticos já constituem alternativas aos canais terrestres: a SIC Notícias tem quase a mesma parte de audiência da RTP2 na Grande Lisboa (4,0 versus 4,1 por cento) e no país (4,1 versus 4,4 por cento).

5) O crescimento da audiência alternativa relaciona-se de perto com o nível económico, habilitações e meio social do espectador: enquanto na classe D cabo, vídeo e satélite representam 4,6 por cento de parte de audiência, na classe C2 essa escolha representa 9,1 por cento, na classe C1 14,5 por cento e na classe A/B chega aos 20,8 por cento, isto é, 4,5 vezes mais do que entre os despossuídos.

6) Mas os números por classes de espectadores indicam que a tendência é para um nítido crescimento das alternativas; em todos os grupos se registaram crescimentos significativos das alternativas ao longo do ano, nomeadamente na classe A/B, onde representavam 15,8 de "share" em Janeiro e chegaram aos 24 por cento em Setembro.

7) O crescimento futuro das alternativas é visível nos grupos etários: só os grupos com mais de 55 anos têm "shares" inferiores a 10 por cento no conjunto do cabo, vídeo e satélite, sendo de 12,1 por cento no grupo 4-14 anos, de 13,4 por cento no grupo 15-24 anos e de 12,8 por cento no grupo 35-44 anos.

O que revela a análise das partes de audiência de canais de cabo em concreto?

1) Os canais portugueses são os mais vistos, com 9 por cento do "share" no cabo.

2) Nos temáticos, os canais infantis são a alternativa mais vista, com 5 por cento de "share" (Panda, Cartoon e Disney).

3) Os canais exclusivamente de informação totalizam 4,8 por cento (SICN, NTV, CNN, BBC World, Sky News, NBC).

4) Os canais culturais ou de conhecimento representam 3,2 por cento de "share" (História, National Geographic Channel, People & Arts, Mezzo, Odisseia Arte/5ème e Discovery).

5) O cinema têm mais de 3 por cento do "share" (Telecines, Hollywood e TCM).

6) Os canais desportivos somam 2,5 por cento de "share" (SporTV, Eurosport e DSF).

7) Os canais de Pay-TV representam 3,6 por cento do "share" no universo do cabo (SporTV, Big Brother, Playboy, TV Saúde, Telecines, Zee TV e Disney).

8) Os dois canais de cabo da BBC, que o lugar-comum e a opinião publicada ao longo de dezenas de anos apontariam como tendo uma audiência expressiva, não passam dos 0,3 por cento do "share" da audiência de cabo.

9) Os canais estrangeiros em português (Brasil, Canção Nova, GNT) ou em línguas próximas (galego, castelhano: Galicia, TVE) não passam de 1,9 por cento da parte de audiência, cabendo a maior fatia a um único canal, o brasileiro GNT, com 1,5 por cento. Os portugueses com TV por cabo praticamente não vêem TV espanhola.

10) Os canais de música pop/rock (MTV, Sol, MCM) têm 1,9 por cento de "share".

Em conclusão, em 10 anos os portugueses mudaram radicalmente as suas escolhas televisivas, adoptaram a televisão generalista privada como primeira escolha e optaram natural e crescentemente pela televisão paga em busca de alternativas temáticas aos quatro canais terrestres.

Notas: excepto onde indicado, os números apresentados referem-se ao período de Janeiro a 3 de Outubro de 2002; agradeço à Markdata o fornecimento de todos os elementos solicitados.