Eduardo
Cintra Torres
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Uma Carta e Três Notas |
É certo que, dois anos após a exibição dos primeiros episódios, não voltei a verificar a sua "ficha técnica", pelo que assumi erradamente que teria sido pequena a quantidade de imagens de arquivos externos à RTP usada na série. Aos leitores e autores peço desculpa pelo erro. O meu artigo (PÚBLICO de 08/07/02) esclarecia o que penso da presença de historiadores na série. Eu não disse que não devem ser utilizados. Sou formado em História, jamais me passaria isso pela cabeça. Claro que devem ser consultados, como se fez para as séries da RTP e SIC. Mas não é preciso encher o programa de explicações de historiadores, se há testemunhos e imagens com voz "off". Só por maldade se poderia aproveitar esta posição para dizer que defendo testemunhos com erros históricos ou factuais. É nessa maldade que os cinco magníficos da carta incorrem: inventam uma referência que não fiz ao depoimento da jornalista Manuel de Azevedo na série da SIC. Aliás, apontei um erro factual à série da SIC, tal como fiz com a série da RTP quando esta passou. A carta dos cinco revela uma mentalidade que subsiste na RTP: a de que o que é feito por eles é, "a priori", serviço público. Os cinco julgam-se investidos de algum privilégio especial, por terem um cartão de funcionários da concessionária. É triste, para não dizer ridículo, que escrevam "a televisão de serviço público opta por dar a voz aos historiadores", como se houvesse uma ideologia e uma cartilha quanto à recolha de depoimentos e testemunhos para uma série deste tipo consoante é da concessionária ou não. Em contraponto à série da SIC - que é, no fundo, alvo da sua crítica profunda -, os cinco magníficos apresentam a sua série como modelo virtuoso do que é serviço público, enquanto sugerem que a série da SIC se sacrificou no holocausto do espectáculo e do sensacionalismo, o que é falso. Não percebem o que está em causa: a qualidade das séries enquanto trabalhos televisivos, de televisão, de TV! O que mais diferencia a série da SIC é que teve uma realizadora, pessoa especializada em imagem e em criar produtos de TV e responsável pela unidade estilística. Há aí uma grande diferença nas séries: a da SIC é um bom programa de TV, pensado e concretizado para TV; a da RTP é um programa feito por jornalistas que não são realizadores de TV. Por isso, o uso de imagens de arquivos é tão eficaz na série da SIC, por isso, o mesmo uso na RTP me pareceu, erradamente, menor do que foi. Finalmente, a ideia de que o que escrevi sobre a Crónica do Século se inscreve numa "campanha" pessoal contra a RTP é uma anedota. Por favor, não pensem que o vosso trabalho na Crónica do Século melhora um milímetro por se convencerem de que quem não é por vós é contra o serviço público e que em cada crítica há uma cabala contra a adorada e perfeita empresa concessionária. Em vez disso, para a próxima vez, empenhem-se em fazer programas melhores. * * * Planeta Azul: ora eis aqui um programa de qualidade que se pode arrogar ser serviço público e que não o faz... basta-lhe concretizar o seu trabalho com correcção e profissionalismo. Este magazine ganhou agora um prémio pelo seu trabalho em prol do ambiente e é um justo reconhecimento. Planeta Azul (actualmente RTP1 e actualmente aos sábados às 21h00) tem feito bom trabalho de campo e boas reportagens, sem lágrimas nem suspiros, boas reportagens apenas, bom jornalismo televisivo. * * * Dário: a RTP armou campanha em redor do jovem Dário, que, tratado com displicência pelo Serviço Nacional de Saúde, teve na generosidade de emigrantes na África do Sul a oportunidade negada pela pátria de remover um tumor cerebral. A corporação médica, num gélido corporativismo que deve arrepiar os cidadãos que esperam apenas o melhor de quem fez o juramento de Hipócrates, veio a terreiro depois da operação - apenas para se defender. Um horror a que Graça Barbosa Ribeiro já se referiu exemplarmente no PÚBLICO (27/07/02). A outra face da moeda é o envolvimento exagerado e incompetente do jornalismo da RTP. Já que se envolveu (e é discutível que o jornalismo se envolva assim), tinha obrigação de investigar melhor a hipótese de o rapaz ser operado cá ou ter apoio na deslocação à África do Sul. Não o fez, apesar de contactos que recebeu nesse sentido na redacção. Não interessava. Criou-se assim uma narrativa melodramática. O comportamento do jornalista António Mateus na África do Sul foi lamentável: parecia um membro da família do Dário e não um jornalista. Uma coisa é noticiar, outra é criar o caso e insuflá-lo de emoções. Daniel: o guardador de vacas da TVI. A jornalista Ana Leal pegou num caso humano, um miúdo amoroso que guarda gado em Pitões das Júnias e vai à escola. Nunca tinha visto o mar nem a cidade, o que, tendo em conta os seus seis anos, não é tão extraordinário assim. A reportagem era menos de telejornal que de magazine, mas a TVI não tem magazines, enfia estes trabalhos todos no Jornal Nacional e depois repete-os "ad nauseam". Mostrava um caso interessante, mostrava que os pais estavam conscientes do que é melhor para o Daniel. A intervenção da mãe foi muito consistente. A jornalista acrescentou banda sonora à reportagem. Com todas aquelas imagens do miúdo loirinho, das vacas e do prado verde, parecia um "videoclip" de música celta irlandesa. É claro que a reportagem resultou adorável e despertou os nossos melhores sentimentos: mas foi feita mesmo para isso. Uma confederação de organizações de famílias deu um prémio à reportagem pelo serviço público prestado. No domingo (28.07), a TVI volta à carga. Como a RTP, fez o caso e depois desenvolveu-o com todas as emoções que vêm nos manuais. Levou Mantorras de helicóptero a Pitões e o miúdo a sobrevoar o mar. A grande cidade e a sociedade do espectáculo aterraram em Pitões das Júnias como um Apocalipse Bom. A TV interveio na vida do miúdo e alterou-a, esperando todos nós que tenha sido para melhor. A mãe dele está convencida que sim. Esperamos todos que Pitões das Júnias, o que resta do nosso exotismo no século XXI, não tenha sido alvo de um Apocalipse Mau. Dário & Daniel: o jornalismo televisivo está a mudar rapidamente. Já interfere no curso da vida das pessoas com a certeza de que o faz bem. Cada vez está mais longe do jornalismo "à antiga". Agora, o jornalismo é uma emoção. * * * Na semana passada, escrevi que a RTP2 não apresentou o primeiro episódio de Sete Palmos de Terra. Como diriam os cinco magníficos, é mais do que falso, é um "facto mentiroso"! Mostrou-o em 10 de Junho, eu é que não dei por isso. Peço desculpa por mais este erro. Está visto: depois de escrever nestas páginas há seis anos consecutivos (a idade do Daniel!), o Olho Vivo precisa de férias. O regresso será no fim do mês. |