Eduardo
Cintra Torres
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O Terrorismo e a Televisão |
O mundo ocidental vive na expectativa de ligar a televisão e reviver, num qualquer lugar dum qualquer país, um ataque da organização de Bin Laden. De cada vez que o homem reaparece, em imagens desfocadas e sem data, o mundo fica refém por uns instantes. A vitória do terrorismo no 11 de Setembro não pode ser subestimada. Este terrorismo usa as armas do capitalismo desenvolvido - as comunicações, o dinheiro, a Internet. É "um terrorismo de ricos", como escreve Jean Baudrillard num livro agora editado pela Campo das Letras, "O Espírito do Terrorismo". No 11 de Setembro a Al-Qaeda recorreu ainda a uma arma antiga do terrorismo que usou com uma eficácia nunca antes alcançada: a televisão. A ligação do terrorismo moderno à televisão é umbilical: ele não vive sem a TV das democracias ocidentais. O ano de 1968 marca o arranque do terrorismo moderno com o desvio de aviões de passageiros por activistas palestinos. "Não é coincidência ter sido esse o ano em que se lançou o primeiro satélite de televisão, um desenvolvimento que revolucionou as notícias", escreveu Simon Finch, documentarista da BBC. "A evolução da tecnologia dos 'media' começava já a moldar as tácticas terroristas." Quatro anos mais tarde, após desenvolvimentos permitindo a informação em tempo real, o terrorismo conseguiu obter uma audiência global de 900 milhões de espectadores ao tomar como reféns e assassinar israelitas da comitiva às Olimpíadas de Munique. Em 1976, "Carlos, o Chacal", mestre mediático do terrorismo, tomou conta da sede da OPEP em Viena - e esperou pela chegada das câmaras para sair do local com os ministros do petróleo que tomou como reféns. Em 1979, o terrorismo motivou uma guerra de 'zapping' entre as principais cadeias americanas. Em troca de uma entrevista a um refém dos EUA na embaixada em Teerão, a ABC aceitou pôr no ar um programa de propaganda anti-americana. O então presidente Jimmy Carter apareceu em directo nos outros canais desligando ostensivamente um televisor ligado na ABC. Nos anos 80, a concorrência das cadeias americanas em torno da guerra civil no Líbano chegou ao paroxismo depois do desvio, que pareceu eterno, de um avião da TWA em Beirute. As cadeias divulgavam nos EUA as mensagens de organizações terroristas do Líbano. Os jornalistas locais, refere Finch, começaram a chamar à ABC a "Amal Broadcasting Corporation" (uma referência às milícias libanesas) e "Nabil Berri Company" à NBC (em referência ao nome do dirigente das milícias). George Gerbner exprime a opinião contrária num texto de 1992 em que, apoiando-se em estudos de 1982/83, indica que as cadeias americanas usavam as notícias sobre terrorismo para "definir os temas de acordo com uma preferência política" e ainda que as posições dos terroristas não eram divulgadas. Como se o terrorismo fosse uma acção política normal que devesse ter um acesso também normal aos processos deformação da opinião pública. Na chamada "Crise de Outubro" no Québec, em 1970, a Frente de Libertação do Québec (FLQ) raptou o ministro dos Transportes do Québec, assassinando-o, e um alto funcionário britânico, mantido em cativeiro durante 60 dias. "Inspirados pela estratégia de revolucionários brasileiros (revelada pelos 'media') [escreve o ensaísta Bernard Dagenais] os membros da FLQ planearam o primeiro rapto com o objectivo de atrair a atenção do mundo". A FLQ pretendeu associar os "media" à sua acção desde o primeiro comunicado: "O manifesto político que a FLQ apresentará às autoridades tem de aparecer na íntegra na primeira página de todos os maiores jornais quebequenses (...) Este manifesto tem de ser lido na íntegra (...) durante uma emissão de pelo menos 30 minutos." O 11 de Setembro é o auge da ligação íntima do terrorismo à capacidade comunicadora da TV em democracia. A organização de Bin Laden escolheu como alvo uma das cidades mais mediáticas dos EUA e os seus edifícios mais altos. Nova Iorque é uma cidade que, pode dizer-se, vive em directo. As câmaras de todos os canais estão na rua desde o nascer do sol. A meteorologia usava como referência as Torres Gémeas: as câmaras mostravam-nas sempre. Do seu esconderijo, Bin Laden podia vê-las todas as manhãs. Os acontecimentos ganharam dimensão histórica não só pela amplitude e êxito do ataque terrorista, cuja eficácia igualou a dos aviões de alta tecnologia dos EUA, mas pela amplitude mediática. Pela primeira vez, o terrorismo ganhou uma nova, terrível dimensão: a dimensão espectacular. Em 11 de Setembro, "o espectáculo do terrorismo impõe o terrorismo do espectáculo", escreve Baudrillard. Não foi essa a única terrível novidade do ataque. Até àquele momento, pensava-se que os terroristas "querem muita gente a ver, não muita gente morta", mas as ruínas das Twin Towers demonstraram o contrário. Os atacantes "alcançaram números de audiências e vítimas sem precedentes enquanto o teatro letal se desenrolava num palco global", escreveu Simon Finch. Está, aí, implícita, uma característica da televisão que o terrorismo explora com a máxima eficácia: o directo. Mais do que a TV, é o directo da TV que o terrorismo explora. A superioridade da televisão transforma-se através deste meio na superioridade do poder mediático das acções terroristas: o directo como o que electrizou o mundo a partir do momento em que o primeiro avião se lançou sobre a torre norte do World Trade Center. Já em 1987, Gérard Leblanc, num livro sobre os telejornais ("O Mundo em Suspenso") referia-se ao poder do directo em ligação com o terrorismo: "A questão, a única afinal, é a de saber se os piratas cumprirão a ameaça da execução, se liquidarão os reféns e quantos e como. Tudo está a postos para nos informar." A estratégia mediática da organização de Bin Laden foi a mesma do terrorismo desde os anos 60, mas levou-a à perfeição, a perfeição do Mal. Desmentindo o lugar-comum iluminista dum caminho crescente e uníssono da Humanidade para os valores positivos, Baudrillard considera que o 11 de Setembro prova que "o Bem e o Mal crescem exponencialmente ao mesmo tempo, e de acordo com o mesmo movimento". O Bem e o Mal crescem exponencialmente ao mesmo tempo, e em directo na televisão, poderíamos acrescentar. Quando, há alguns anos, um repórter perguntou a Bin Laden quais as próximas operações da sua organização nos EUA, ele respondeu: "Em Deus querendo, você vai vê-las ou ouvir falar delas nos 'media'." Nota: Publicou "O Independente" em 12 de Julho um texto assinado por Inês Teotónio Pereira que é uma ficção delirante acerca do Grupo de Trabalho sobre serviço público, de que faço parte. Abusando do meu nome, a autora faz a respeito das minhas posições sobre serviço público de TV duas menções que são totalmente falsas. Já nem digo que ela poderia ter falado comigo: bastava que tivesse lido os meus textos no PÚBLICO para saber que o que escreveu é mentira. |