Quando, ao fim de 21 minutos, a SIC e a TVI tiraram Gilberto Madail do ar, Rodrigues Guedes de Carvalho comentou: "Este é o futebol que temos". A indignação de muitos portugueses, porém, não era essa. A vergonha era outra: esta é a televisão que temos.
Nunca tínhamos visto uma coisa assim: 21 minutos de dois telejornais privados e 25 minutos do telejornal do chamado «serviço público» (RTP1) ocupados em directo, sem limitações, por um indivíduo patético proferindo um arrazoado mesquinho, incongruente, desarticulado, medíocre, incompreensível, desinteressante, sem informação, sem factos, sem notícia, com recados pessoais, com parênteses e circunvalações palavrosas sobre piolhices diversas alheias ao desporto.
Nenhum político, nenhum artista, nenhum empresário ou trabalhador teve até hoje este tempo de antena de abertura dos três telejornais em simultâneo durante tanto tempo sem interrupção. Só mesmo o negócio do futebol consegue pôr os telejornais de cócoras sem escrutínio jornalístico. A TVI, a SIC e a RTP demitiram-se aqui por completo da missão do jornalismo, como se vai tornando hábito desde há anos perante pessoas do mesmo ramo empresarial ou derivados, do dirigente à menina Paula. Só falta mesmo darem tempo de antena em directo aos que realmente dominam a maior parte das "jogadas" do futebol português e muita da sua comunicação mediática, os empresários do tipo Veiga e Olivedesportos.
Na semana anterior, a SIC Notícias apresentava uma conferência de imprensa do mesmo patético Madail à meia-noite (!) durante uma hora (!) sem que um jornalista (!) ousasse interromper um parlapié incompreensível e alheio à normal comunicação entre seres humanos, quanto mais à normal comunicação social e pública. O mesmo aconteceu depois com uma "comunicação ao país" de António Oliveira.
O zénite foi, porém, o directo da "conferência de imprensa" de Madail na terça-feira. Quando um jornalista teve «a ousadia» de tentar interromper a vacuidade mesquinha de Madail às 20h15, este respondeu-lhe: "os senhores não definem o meu 'timing'", no que teve, aí sim, toda a razão. Foi ele, o Madail que o nosso futebol merece, quem definiu o 'timing' dos telejornais e colocou de joelhos perante si os responsáveis editoriais mais temidos do jornalismo português.
Ao fim de 21 minutos, tempo necessário para Madail dizer que mandou um fax (?!) e ainda não sabe a resposta (?!), Henrique Garcia disse na TVI que não tinha percebido "grande coisa", Guedes de Carvalho falou do "futebol que temos" e, no "serviço público", José Alberto Carvalho ainda continuou mais uns minutos com aquele seu ar inteligente e grave a "noticiar" o assunto.
O directo, a grande arma da televisão, tem potencialidades extraordinárias e tem proporcionado alguns dos mais espantosos momentos da história ou do quotidiano dos países. Mas, precisamente por isso, deveria ser resguardado. Os responsáveis editoriais sabiam muito bem quem é Madail, o que tinha feito na semana anterior. Não deveriam ter-se conluiado com ele para achincalhar o país daquela maneira.
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E depois há a democrática e militante excursão a Sevilha organizada pelo Bloco de Esquerda - detida em Schengen de la Frontera.
O que tornou possível este "tema da semana" foi a presença de operadores da TVI, da SIC e da RTP nos lugares da frente da camioneta dos líderes bloquistas, a camioneta que encabeçava o impressionante "convoy" da extrema-esquerda parlamentar. Porque iam ali? Sabiam que haveria problema?
Mas, enfim, que interessa isso quando as televisões, à boleia do Bloco de Esquerda (BE), conseguem imagens significativas do grave incidente fronteiriço? Foi naturalmente importante podermos ver a arrogância e o abuso físico daqueles castelhanos malformados sobre Louçã e Miguel Portas, violência que teve, desde logo um efeito extraordinário: em quinze segundos esboroaram-se os esforços de duas décadas do Estado espanhol para provar a bondade das suas intenções perante, ou sobre, o povo português. Os polícias de Rosal de la Frontera tornaram-se descendentes dos derrotados de Aljubarrota e dos Filipes usurpadores. Por isso, os intoleráveis empurrões sobre Louçã e Portas transformaram-se menos em votos no Bloco de Esquerda do que reforçaram a ditosa pátria minha amada. Azar de quem anda atrás da TV como gato atrás de rato.
Todos os jornalistas sabem que o BE anda a fazer política em função das câmaras de TV. A agenda política do Bloco não é a das suas causas políticas, mas a das causas e fait-divers que lhe possam dar tempo de antena. Muitos jornalistas amamentam o BE, dando-lhe uma relevância mediática que não tem correspondência social e política. Basta ver como qualquer intervenção parlamentar de Louçã, mesmo irrelevante, tem um eco mediático superior à de qualquer outro deputado, seja qual for o seu partido.
Ao marcar a agenda mediática, e com inegável talento, o BE leva os outros partidos ao desespero, nomeadamente o PS, que se meteu a competir sem êxito com as "photo opportunities" de "Francisco Ecrã". O PS até se esquece do seu importante papel de direcção política da oposição ao governo, que não passa por medidas avulsas e "sound bites" nos telejornais.
Isto cria uma certa "anormalidade" na actividade política, pois o Bloco não deixou de representar os mesmos três por cento de eleitores e não tem mais "razão" que os outros partidos, sejam eles do governo ou da oposição. Em resumo, o Bloco está na moda, o que é péssimo para a boa informação das pessoas e para o próprio, como mais tarde se verá. A moda muda com o cair da folha. O namoro dos jornalistas e do Bloco há-de cansar. A não ser que ambas as partes consigam, tal como no tempo de Guterres, manter um plano de "estado de graça" quinquenal.
É interessante comparar a operação mediática do Bloco em Schengen de la Frontera com o incidente envolvendo militantes do PCP que, à mesma hora, sofreram do mesmo impedimento de seguir para Sevilha noutra fronteira. Não tiveram nem criaram qualquer tipo de visibilidade. As televisões não iam a bordo. No dia seguinte, a RTP1 salvou a honra do convento entrevistando um militante do PCP que, com uma humildade imposta pela comparação com o BE, mostrou as modestas provas do que tinha sucedido aos militantes comunistas a caminho de Sevilha: eram três fotografias a preto e branco.
A diferença entre o êxito do Bloco e o afundamento do PCP nos media passa por aqui: enquanto o Bloco já leva as televisões ao colo nas camionetas, o PCP ainda vai nas fotografias a preto e branco. Os renovadores do PCP, ao menos, já perceberam que os "jantares" são à hora do telejornal.
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