Eduardo
Cintra Torres
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Precisam-se: Muita Acção e Prudência, mas Depressa |
Quando surgiram as primeiras ideias da nova equipa governativa para a RTP, muitos daqueles que substituíram os aristocratas de antigamente na sociedade dos privilégios - os militantes do PS e do PSD - ficaram alerta mas pouco preocupados. Contavam que o governo amolecesse objectivos e, assim, a aristocracia dos eleitos mantivesse a habitual rotatividade da dança dos incompetentes: saem de cena os do PS, entram os do PSD, ficando os privilégios e assegurando-se que, finalizado o ciclo, a roda das cadeiras repõe a posição original. É uma vida sem grandes perigos. "Agora é a vossa vez, portem-se bem como nós e defendam as coisinhas de nós todos." A alternância muda apenas o montante de interesses de cada parte. A RTP não está sozinha nesta dança. Acontece o mesmo na RDP, Lusa, noutras empresas públicas e áreas da administração. Acontece que o programa do Governo deixa claro que haverá mudanças importantes na RTP, RDP e Lusa. O desassossego da aristocracia do bloco central passou a pânico com a entrevista de Morais Sarmento na RTP2: ele pôs em cima da mesa a hipótese de liquidação de uma de duas empresas em que se propõe dividir a RTP. A aristocracia percebeu: estão em causa os seus interesses todos, não apenas a alternância deles. O caso é-lhe mais gravoso porquanto o ministro não tem para já afinidade conhecida com "lobbies", estando portanto mais livre para agir de acordo com princípios e com a realidade. É preciso falar claramente: mais do que o "serviço público" de TV e de rádio, são os interesses de pessoas que estão em causa; são "lobbies" entre pessoas e empresas; são empregos pouco ou nada trabalhosos; são contratos com amigos; são dirigentes incompetentes; uma empresa que não funciona; uma programação irracional; o acesso dos políticos aos telejornais; e é um financiamento descontrolado e um despesismo incontrolado que pode e deve ter fim. Mas é também o interesse capitalista num apetitoso terceiro canal privado. Como se chegou a esta situação? Os governos de Cavaco Silva, primeiros a intervir a fundo no modelo televisivo com a criação das privadas e a alteração do financiamento, e deixando a nuvem negra da intervenção na informação, prepararam a cama para quem viesse a seguir. Os ingredientes estavam lá todos, mas eram mascarados pelo ainda quase-monopólio da RTP em audiências. O início da governação de António Guterres prometeu mudança: Manuela Morgado foi no início uma excelente escolha para se trilhar o caminho certo e enfrentar os problemas estruturais da empresa de forma a poder-se depois tratar da programação. Mas Morgado foi logo afastada: provou-se que o Governo não tinha a mesma coragem da administração despedida; que não lhe interessava resolver os problemas estruturais da RTP; e que não estava interessado na qualidade da programação. O que se queria na RTP era o instrumento político ao serviço da governação. Nem sequer era ao serviço do Estado, como as miseráveis RTPi e RTP África, indigentes e ao serviço dos governantes, o provaram à saciedade. Guterres e Arons de Carvalho não solucionaram o financiamento e os seus seis anos provaram estarem mais interessados no "status quo" da empresa e do sistema. As diferentes alas do PS choram agora pelo leite derramado, mas o que aí vem é a consequência directa do seu péssimo trabalho. A argumentação do "novo PS" de que bastaria resolver o financiamento para solucionar o problema do serviço público prestado pelo Estado é falsa. Não toma em conta como o dinheiro público foi e é gasto nem o modelo empresarial falido. O programa do novo Governo refere todos os problemas existentes, mas não dá as respostas todas e nalgumas revela que a falta de prudência poderá ser negativa. O programa reafirma a proposta de dividir a RTP em duas empresas. Não se vê qualquer vantagem nisso. Seria muito mais simples extinguir a actual empresa por estar falida há anos e reiniciar o serviço público com nova organização (jovem, ligeira, sem vícios, com outra filosofia e outros métodos de trabalho). Mas antes de qualquer decisão, será necessário definir o que se pretende exactamente com cada um dos canais. Só perante isso a estrutura do serviço público pode ser definida. Quantas pessoas são precisas para fazer um ou dois ou três canais? A SIC faz cinco canais com 658 pessoas. Quanto ao destino a dar a um dos canais do Estado, o programa fala em privatizar. Ao contrário do que dizem o lugar-comum e os socialistas que se preocupam sempre muito com o dinheiro do Dr. Balsemão e do Dr. Paes do Amaral, parece haver capitalistas que já se perfilam para agarrar o terceiro canal privado se ele vier a existir. Há, portanto, lugar para um terceiro privado. Mas isso não significa que seja esse o melhor caminho. Seria mais prudente que Morais Sarmento fizesse o que sugeriu na RTP2: fechar um dos canais, deixando-o em pousio. Um período de reflexão poderia permitir estudar várias hipóteses, nomeadamente a que defendo: o Estado gere um canal que é entregue à sociedade civil e aos distritos (e já agora a um verdadeiro canal do parlamento). Essa e outras questões estão em aberto no programa do Governo, o que, ao invés de ser negativo, permite uma decisão mais ponderada do que a apressada escrita dum documento a que o executivo ficaria ligado por aprovação no parlamento. Os aspectos positivos do programa são: a) passar para o parlamento a regulação das telecomunicações e conteúdos; b) evitar esbanjamento; c) extinguir a Portugal Global; d) reunião da RTPi e da RTP África num só canal e total revisão da sua programação; e) definição de canal generalista como estando isento da preocupação de concorrer com os privados (e sem publicidade?); f) autonomização dos canais regionais de Açores e Madeira. Os aspectos negativos ou omissos são: a) divisão duma RTP falida em duas RTP; b) a manutenção do modelo de empresa viciada e despesista para um canal público; c) a hipótese de privatização de um canal sem modelo concreto quanto ao objectivo a dar-lhe; d) não esclarecer a questão da publicidade no canal público. Falta também esclarecer o que é um canal «generalista» do Estado e se esse é o modelo certo para servir os cidadãos. A concepção "woltoniana" vigente é de um canal generalista que serve o Estado e o poder central e não os cidadãos. É preciso debater se não é preferível desde logo que o canal do Estado, para além da informação nacional, sirva público específicos, isto é, se aproxime da cidadania. |