Eduardo Cintra Torres

"Delenda Est Carthago!"


Em frente do esplêndido edifício da nova Biblioteca Central de Memphis, Tennessee, inaugurado em Novembro, três artistas plásticos criaram no pavimento uma passadeira com dezenas de citações célebres. No meio do "melting pot" de "slogans" está a frase que encerra o Manifesto do Partido Comunista: "Proletários de todo o mundo, uni-vos!" Foi quanto bastou para se criar um movimento cívico conservador para se retirar a inscrição do meio das outras.

O que não pode uma frase! Um século e meio depois, o apelo do Manifesto mantém o poder evocador do espectro do comunismo sobre a Europa antecipado por Marx e Engels, mas relembra também lutas dos trabalhadores em todo o mundo e, neste caso, a realidade do comunismo até hoje.

Como milhares de outras, esta frase vale mais do que mil imagens. Ela chama à consciência milhares de outras palavras, milhares de imagens. Basta uma palavra, uma só entre milhões: nasce um tremendo poder de evocação. A ideia de que as imagens valem mais do que as palavras é metade da verdade. O inverso também é verdadeiro.

Neste tempo de campanha eleitoral, a linguagem política ganha nova urgência e chama a atenção para os "sound bites" na rádio e TV, as frases dos políticos extraídas duma declaração que passam a representar nos "media" o conjunto do discurso proferido. As frases são escolhidas pelos jornalistas, mas muitas são construídas pelos políticos ou autores dos seus discursos para se imporem naturalmente aos jornalistas como aqueles índices de destaque para as suas notícias, televisivas ou não.

Nem sempre as escolhidas são as que mais agradam aos políticos, mas os jornalistas têm o poder editorial de escolher o que acham mais interessante para o público. Se não escolhem mais vezes as frases que os políticos prefeririam, é também porque estes não as souberam fazer de forma a seduzir, antes do público, os próprios "media".

Sempre estranhei as críticas que se fazem aos "sound bites" como forma de comunicação política concentrada nos telejornais. Não só se mistura os "sound bites" com a campanha política baseada na frivolidade, como se remete para um Eldorado da boa comunicação política que nunca existiu.

Acho que não se deve confundir os "sound bites" - cápsulas de pensamento e propostas políticas - com campanhas eleitorais baseadas no carnaval vazio de conteúdo, desejadas por alguns políticos, mas também acarinhada por televisões ávidas de imagens "engraçadas". Naturalmente, a responsabilidade das reportagens de beijinhos e ofertas de sacos de plástico deve-se aos próprios políticos e não aos jornalistas de TV. Estes não são obrigados a politizar o que políticos em campanha reduzem ao folclore do nada.

O "sound bite" não é folclore, é uma verdadeira mensagem, é positivo para a comunicação política. Uma frase pode resumir um pensamento complexo. Quando John Kennedy disse em Berlim "Como homem livre, orgulho-me de dizer as palavras 'Ich bin ein Berliner'", o mundo soube que os EUA e o Ocidente se sentiriam atacados como se fossem berlinenses, em caso de ofensiva do Pacto de Varsóvia sobre Berlim Ocidental. Quem leva a mal este "sound bite" de Kennedy enquanto comunicação política?

Se a elaboração de políticas faz (devia fazer) parte das atribuições dos profissionais da política, também a comunicação com os cidadãos em linguagem clara e concisa deveria ser prioritária. Nem todos os políticos têm essa qualidade, e daí que chamem em sua ajuda os profissionais da mensagem de poucos segundos, os publicitários. Surgem os "slogans" políticos que, como os da publicidade, são, no fundo, ordens de voto ou de consumo dadas à massa. "A arte do orador consiste em sintetizar os seus propósitos em slogans e apresentá-los com vigor, auxiliando assim no nascimento e na preservação da massa", escreveu Elias Canetti.

O mesmo autor recorda que "slogan" é uma palavra com origem no gaélico "sluagh-ghairm", grito ("ghairm") de guerra da "multiplicidade dos espíritos", o exército dos mortos dos escoceses das montanhas. As palavras de ordem (título dum livro de Jean Baudrillard reunindo textos sobre palavras significativas), e os "sound bites" da rádio e da TV são como os "slogans" criados para reunir os exércitos e as multidões.

Todos querem ter o poder da palavra cirúrgica ou da frase premente, seja o político seja o poeta que as junta na poesia, seja o autor de aforismos, sejam o jornalista ou o escritor que as escolhem para os títulos dos seus artigos ou romances. Um título é um material tão forte que as produtoras cinematográficas americanas chegam a comprar argumentos e romances apenas por causa do título, porque acham que por si só ele venderá milhões de bilhetes.

Os "slogans", "sound bites" ou títulos são, como as melodias ou as ideias, os "memes" de que fala Richard Hawkins, unidades culturais que têm a mesma função reprodutora dos genes. Os memes imitam, e a imitação é um das principais actividades humanas, razão por que a repetição é essencial na retórica, política ou não.

Desta forma, os "sound bites" são frases curtas, repetíveis, que sintetizam - deviam, pelo menos sintetizar - o pensamento dos políticos e outros oradores dos tempos actuais. Não há qualquer problema em que os "sound bites" ou os "slogans" sejam criados por publicitários ou técnicos de "marketing" desde que correspondam à síntese da política global ou sectorial que encapsulam. Se não correspondem, há uma fraude que os cidadãos descobrem amargamente anos depois.

É evidente que os "sound bites" e os "slogans" forçam a nota, mas não é por isso que os políticos enganam mais gente. Os políticos arranjariam outras maneiras de persuadir, se não tivessem à mão os publicitários. Era bom que na TV, em tempo de campanha, houvesse mais debate, confronto e reflexão, claro, mas também que houvesse mais e melhores "sound bites" e menos daquelas campanhas de carnaval político que no passado recente juntaram candidatos e câmaras de TV.

Catão, o Antigo, patrício e político romano, foi encarregado no ano de 175 a.C. de uma missão a Cartago; a metrópole impressionou-o pela riqueza, que poderia ameaçar o predomínio de Roma no Mediterrâneo. A partir daí e durante dezenas de anos, Catão terminava todos os seus discursos no Senado - fosse qual fosse o tema - com a expressão "Coeterum censeo Carthaginem esse delendam": "E julgo, além disso, que Cartago deve ser destruída." A frase passou à história na versão reduzida de "Destruamos Cartago!" Catão viveu os anos suficientes para assistir ao início da Terceira Guerra Púnica (149-146 a.C.), que terminou quando as forças romanas arrasaram Cartago. "Delenda est Carthago": uma frase, um meme, uma palavra de ordem, um "slogan", um "sound bite" de um homem só no Senado de Roma - e Cartago foi destruída.