Eduardo Cintra Torres

Mais Televisão e Política


Mais dois partidos apresentaram as suas propostas para o audiovisual, em especial para a empresa de televisão do Estado - o Partido Socialista e o Bloco de Esquerda.

O PS anunciou sumariamente as medidas que constarão do seu programa eleitoral nesta área ("DN", 08/02). Nada de novo, apenas cosmética sobre a mesma política. O PS promete a mesma RTP com mais financiamento público; chega a sugerir o tipo de programação para os canais do Estado, o que é "sui generis" para um partido político (propõe uma RTP2 só de enlatados e programas de arquivo).

O PS não rompe com os seis anos da governação na área e promete mais do mesmo falhanço. António Costa, responsável pelas propostas, foi neste campo uma decepção. Quando se esperava alguma ideia nova ou, no mínimo, a incorporação de alguma das propostas apresentadas e reflectidas pelo grupo de Manuel Maria Carrilho, a direcção de Ferro Rodrigues não se afasta do que Guterres, os seis ministros da tutela e o sempre secretário de Estado Arons de Carvalho fizeram desde 1995.

A ideia apresentada de se ter progressivamente "menos publicidade" na RTP1 é um mimo. Uma medida tão minimalista para problema tão magnânimo revela como a imaginação anda longe do grupo de António Costa. Apenas uma das propostas coincide com o que muita gente tem referido, incluindo outros partidos: fundir a RTPi e a RTP África num só canal e acabar com a actual vergonha nacional de exportação em simultâneo para todo o mundo.

O Bloco de Esquerda também apresentou propostas: elas são reflectidas, correspondem à gravidade dos problemas e poderiam constituir um programa mínimo de acção (PÚBLICO, 15/02). O BE sugere que o presidente da RTP seja eleito por dois terços do parlamento por um período não coincidente com a legislatura, que o contrato-programa seja discutido publicamente e no parlamento, que seja criada uma autoridade para o audiovisual e comunicação social, que a RTP seja "reformada" e ganhe independência do governo e seja correctamente dotada. Também sugere a fusão dos dois canais internacionais da RTP.

Os leitores do Olho Vivo reconhecem algumas das propostas, há mais de dois anos aqui formuladas. Julgo que com um pequeno esforço o Bloco de Esquerda teria indicado que o seu programa só é realista a médio prazo se indicar que a reforma da RTP é impossível e que ela deve ser substituída. Se eu achasse essa reforma possível, propunha-a com todo o empenho. Mas como sempre disse, é preferível extinguir de uma vez e rapidamente esta RTP e criar uma nova entidade pública, pequena, ágil, orientadora e compradora (mas não produtora) de programação e conteúdos - com as características de independência e de enquadramento institucional que o BE refere, algumas, aliás, coincidentes com o que o PSD também propôs.

Embora faltasse por agora ao BE a coragem política da proposta "fracturante" da extinção da RTP (que é o corolário das medidas apresentadas), o projecto bloquista é o mais coerente e consentâneo com uma definição moderna e independente de serviço público. Nesse sentido, a proposta do Bloco foi mais longe do que a proposta dos profissionais do meio (Plataforma para o Audiovisual), cujos receios quanto a uma grande alteração no audiovisual se assemelham às preocupações de muitos políticos do Bloco... Central.

Direito de resposta ao direito de resposta

O secretário de Estado da Comunicação Social, Arons de Carvalho, invocou o direito de resposta a um comentário que publiquei com o título "Seis Anos de Arons" (08/02) para, em três parágrafos, conseguir a proeza de se desmentir a si mesmo, de falsear sobre a minha vida profissional e sugerir ao PÚBLICO que se veja livre de mim (10/02). Invoco, por isso, o direito de resposta ao direito de resposta.

Sobre as posições de Arons relativas à taxa de televisão e a criação da Portugal Global, que diz Arons ter eu falsificado ou deturpado, limitei-se a citar "ipsis verbis" extractos de uma entrevista que Arons deu à Lusa (03/02), na qual disse que "a taxa é socialmente injusta" e que "a criação da holding Portugal Global (...) 'não trouxe muito de novo'" e por isso "tudo terá de ser repensado". Também usei o "lead" da entrevista de Arons, no qual se refere que ele "assumiu, em entrevista à agência Lusa, o falhanço da política socialista para a RTP".

Em resumo: citei Arons; logo, no seu "direito de resposta" Arons desmentiu Arons. Desespero?

Mas Arons foi mais longe. Escreveu no seu desmentido, enviado em papel oficial, uma prosa invulgar num homem de Estado: "O teor do referido comentário só se compreende pelo facto de o seu autor saber que denunciei, juntamente com o presidente da RDP, a circunstância de ele ser simultaneamente comentador de televisão e funcionário de uma empresa proprietária de um canal de televisão, o que omitiu dos leitores do PÚBLICO e, presumo, da própria direcção do jornal."

Em primeiro lugar, recordo que a acusação mencionada constava apenas numa carta do presidente da RDP (PÚBLICO, 06/12) à qual eu respondi (08/12). Arons, portanto, confundiu a sua carta com a carta em que o presidente da RDP fazia essa "denúncia" (o termo, correcto, é de Arons). Há aqui uma osmose na denúncia entre Arons e Nunes que convém assinalar. Eu bem falei aos leitores no Estado de União Nacional Rosa e nos seus métodos!

Mas a falsidade - que fica tão mal a um homem de Estado - é Arons "denunciar" que eu sou "funcionário de uma empresa proprietária de um canal de televisão". "Funcionário"! Eu respondi à perfídia do presidente da RDP esclarecendo que faço, em prestação de serviços, dois canais de música num "site" musical da Rádio Comercial (que pertence ao mesmo grupo que detém a TVI). Que sabe Arons a mais do que isto? Será que tem acesso a mais informações? Como? A partir de alguma organização do Estado?

Arons, que há dezenas de anos vive embrenhado no sistema político-partidário, deve ter perdido todo o contacto com a realidade do mundo do trabalho. Já não deve saber que a vida quotidiana das pessoas é trabalharem, fornecerem serviços, baseados em critérios profissionais e de qualidade, e serem recompensadas em função disso. Eu sou trabalhador independente e trabalho para quem quiser sem que isso influencie as minhas opiniões. Quem não quer a minha livre opinião também não tem o meu trabalho.

Ao contrário do que Arons pensa, é o facto de eu prestar serviços para o mundo das universidades ou das empresas (como o PÚBLICO, a RTP, a Rádio Comercial, a Rádio Renascença, a Assírio & Alvim, o Ediclube, a Editorial Celta, a Editorial do Ministério da Educação, etc.) que me garante a independência. Só que, ao contrário do que Arons sugere ao PÚBLICO que faça, nunca nenhuma entidade pública ou privada sugeriu que eu mudasse as minhas opiniões para contratar o meu trabalho. Nem eu jamais o faria.