Eduardo
Cintra Torres
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RTP: Extinguir em Vez de Privatizar |
A proposta do PSD no parlamento para mudar o pântano na área da TV do Estado tem aspectos positivos mas ficou incompleta ou mal explicada. Do lado positivo, é de assinalar uma medida que rompe a habitual política de "grande centrão" dos partidos de poder: a "transferência para uma entidade independente do governo da competência para regular e controlar o cumprimento do contrato de serviço público". Esta nova entidade, que venho propondo há anos, seria um passo importante para a independência da TV em Portugal. Há outros aspectos positivos na proposta, como a extinção da inútil Portugal Global, sorvedouro de dinheiros públicos em salários de "boys & girls" e que nem sequer fez o que o PS lhe tinha destinado: pegar nas sobras da taxa da RDP e injectá-las na RTP. O PSD propôs ainda acabar-se com a publicidade na TV do Estado, o que clarifica o mercado e anula a concorrência desleal. Era bom que as restantes propostas do PSD prometessem com a mesma coragem política uma mudança radical no espectro da televisão nacional, mas ficaram a meio caminho e fazem temer que, pouco mudando, quase tudo fique na mesma, isto é, mal. A proposta mais falada foi a da "privatização da RTP2". O desejo de mudança na sociedade é tão grande que o PP foi a reboque e o novo secretário-geral do PS exalou um vago "talvez sim". Mas a proposta apresentada pelo deputado Marques Guedes não explicou o que se entende por "privatizar a RTP2". De facto, não se pode privatizar o que não existe (a RTP2 não é uma empresa independente). Os políticos devem falar claramente e o porta-voz do PSD pareceu não saber bem do que estava a falar. Se entendi bem a proposta, o seu partido promoverá, caso ganhe as eleições, um concurso para a concessão da rede de frequências de canal hoje concessionado à RTP, a RTP2. Ora, isso não significa "privatizar a RTP2" porque não se está a privatizar uma empresa ou um canal, mas sim a ceder a utilização a outrem das frequências que esse canal utilizava. Não se pode privatizar um bocado da empresa RTP como se fosse a fatia de um bolo, pois para o fazer seria preciso primeiro criar essa fatia como entidade autónoma, o que não é o caso. O modelo apresentado pelo PSD deixou em aberto questões demasiado importantes para as deixarmos sem discussão antes das eleições. Para quê privatizar? Só porque é um bom princípio teórico de economia? Porque é bom para os portugueses? Porque o mercado está pronto para receber mais um canal privado? Abrir a concurso as frequências dum canal da RTP não melhora directamente a situação financeira da empresa: as eventuais receitas não revertem para a RTP, mas para o Estado. Esta proposta, não visará, portanto, resolver o passivo da RTP. Além disso, segundo o lugar-comum habitual, o mercado não aguenta com dois canais privados, quanto mais três. É um ponto duvidoso, pois pode responder-se que o que o mercado não aguenta são canais privados da maneira como estão a ser feitos actualmente e com a concorrência desleal dum canal comercial alimentado pelo dinheiro dos contribuintes (a RTP1). Mas, por prudência, eu juntar-me-ia aqui ao lugar-comum considerando que a vida de três privados seria extremamente difícil e os portugueses não teriam por isso melhor TV privada, mas pior, apenas em mais quantidade. A proposta também não explicou como pretende o PSD que o próximo governo resolva o passivo a herdar do consulado Guterres-Arons nem qual o modelo de canal do Estado que o PSD propõe, embora ao implicar a manutenção da rede de frequências da RTP1 (aliás, de pior qualidade que a da RTP2), pareça defender um canal de entretenimento com noticiários pelo meio. Se é isso, não, obrigado. Se não é, explique-se. Para os portugueses não há vantagem em que o Estado faça programas que podem ser feitos por privados. É preciso que se compreenda de uma vez por todas que o Estado não tem que fazer e pagar telenovelas e Praças da Alegria nem tem que pagar transmissões de futebol quando elas são apenas uma actividade empresarial altamente lucrativa para alguns dos envolvidos. No conjunto, as medidas propostas para a RTP, por ficarem a meio caminho, não solucionam o problema-charneira do serviço público, que é a própria RTP. A RTP é um caso sem solução. Por isso, para que o Estado continue a promover programação de TV que os privados não podem ou não querem ou não estão obrigados a fazer, a solução melhor e mais barata para os portugueses seria substituir a própria RTP por uma nova, pequena e ágil entidade, sem vícios, com um reduzido quadro de pessoal escolhido na base da competência e não das filiações políticas e dos amiguismos. Essa entidade abastecer-se-ia no mercado dos melhores programas, cuja produção e promoção orientaria, criando relações saudáveis com os produtores privados. Não penso que essa seja apenas mais uma solução: ela poderá revelar-se em breve a única solução. Se a União Europeia não permite injecções de dinheiro dos contribuintes na RTP "por portas travessas", como o próprio PSD refere, como poderá um qualquer governo futuro tirar a RTP do pântano e limpar o seu passivo de 180 milhões, se ela está na falência técnica desde 1996? Vender frequências ou património não chega. Para quê prolongar a agonia? Falta um capítulo à proposta do PSD, sem o qual o problema RTP continuará por resolver. Qualquer solução diferente da extinção e substituição da RTP deixa quase todos os problemas por resolver e baseia-se sempre num canal do Estado com entretenimento e informação tablóide, modelo agora em prática na RTP1. Prosseguindo a minha anterior proposta («Sair do pântano televisivo», 07.01) julgo possível que, extinguindo a RTP, o Estado fique apenas com a gestão de um canal de programas de serviço público, nos termos indicados e que, em vez de privatizar, entregue a outra rede de frequências nacional às universidades, escolas, fundações, entidades locais e regionais e da sociedade civil, etc, monitorizando a sua utilização (pode esse canal ser concessionado por diferentes entidades em períodos horários diferenciados). A situação da RTP é tão grave que o momento é mais do que oportuno para decisões radicais. Terá o próximo governo, seja ele qual for, coragem para as tomar? Os povos não têm medo de mudanças de raiz quando elas são necessárias. Quando os políticos as temem é porque das duas uma: ou têm receio do povo ou têm compromissos mais importantes com os seus apaniguados e interesses inconfessos. Todos os partidos deveriam, antes as eleições, dizer claramente o que pretendem para a RTP. |