Eduardo Cintra Torres

Sair do Pântano Televisivo


O único aspecto positivo da proposta é a manifestação da intenção de fazer alguma coisa. Qualquer solução, mesmo a privatização, é melhor do que a situação actual.

Resumo telegráfico:

- RTP: passivo de 200 milhões de contos. Os mesmos problemas de sempre, que a esforçada direcção de Emídio Rangel não permitirá ultrapassar. São congénitos. Gente a mais, imaginação a menos, "boys" a mais, canais a mais, programas a menos, despesas a mais, casos estranhos a mais, desorientação a mais, etc. (vide "Relatório do Tribunal de Contas", "Independente", 4/1/02). Dificilmente a RTP ganhará nova identidade.

- Portugal Global: é inútil para o país; serviu exclusivamente para pagar salários à administração. Mais nada. Os "boys" tratam-se bem.

- SIC: 6,5 milhões de contos de prejuízo em 2001, obrigando a uma reorientação geral da programação. A SIC ainda não pôde mudar a identidade que Rangel lhe imprimiu.

- TVI: Passivo de muitos milhões de contos. Necessidade de manter programação de telenovelas e "reality shows".

- Produtoras externas: poucas mantêm actividade normal. Há dois anos, a RTP devia-lhes um milhão de contos. Hoje, os três operadores devem-lhes quatro milhões. Não só não pagam como não fazem encomendas de novos programas.

- Apoio do Estado à produção: a questão está do avesso. Aliás: dois avessos! Primeiro, o Estado fornece mais de 10 milhões de contos à RTP para esta fazer programas que não só são maus como não têm espectadores que os justifiquem. Segundo, a publicidade televisiva dá quatro por cento para o cinema (quase 3 milhões de contos), mas o apoio do Estado ao audiovisual independente é de 500 mil contos (um milhão este ano).

Consequências:

- RTP em falência técnica (diz o Tribunal de Contas) desde 1996.

- Dinheiro dos portugueses esbanjado em programas sem criatividade ou qualidade e em negócios não escrutinados pela sociedade.

- Três operadores sem margem de manobra para produzir e encomendar programas, quaisquer que sejam os géneros, de qualidade.

- Em geral, programação pobre.

- Empresas do ramo sem trabalho, semifechadas ou à beira de falir.

- Descida da audiência da TV generalista (menos 1,5 por cento de "share" nos dois últimos meses de 2001 que nos dois primeiros). Os quatro canais da TV generalista perderam 90 mil espectadores de 1999 para 2001.

- Devido ao espectacular crescimento das redes da TV Cabo-Portugal, o "share" da TV por cabo, do satélite e do vídeo cresceu mais de 50 por cento desde 1999, sendo de 8,4 por cento no ano que terminou.

- Esse aumento fez-se à custa da TV generalista, pois verificou-se uma queda da audiência de televisão em geral. A televisão perdeu cerca de 55 mil espectadores em 2001. Com o aumento da oferta no cabo e melhoria dos padrões sociais, seria de esperar o contrário. Embora os números sejam pequenos e não se conheçam as causas, a verdade é que há menos gente a ver televisão.

- À medida que crescer a audiência do cabo (cujo "share" triplicou desde 1999), menos capaz será a TV generalista de criar programas que escapem ao modelos da telenovela, da "sitcom" de estética conservadora, do concurso e do "reality show". Se da TV comercial nada se pode exigir para além do cumprimento do seu caderno de encargos, já quanto à RTP tal facto esvazia ainda mais de sentido as ideias de "serviço público" com que os políticos nos atazanam a cabeça para justificar os pequenos fretes que dela obtêm e o enorme passivo que alimentam com o orçamento.

Que fazer? Seguir Arons de Carvalho? O contexto do artigo de Arons no PÚBLICO de sábado é patético. Ao fim de seis anos como responsável político da RTP, o Secretário de Estado do governo demissionário diz aos próximos para fazerem o que ele não fez: melhorar a RTP, financeiramente e a nível de programas. Que fazer? Manter o escândalo actual das finanças do sector público de TV, como fez criminosamente o governo? Ou privatizar a RTP, como propôs recentemente, sem dar qualquer contexto à ideia, o presidente do PSD?

A proposta do PSD carece de esclarecimento; principalmente, deveria ser feita em programa eleitoral ou de governo ou em proposta de lei e não atirada para o ar numa entrevista à Reuters. De facto, a RTP não é apenas a RTP1, inclui outros canais e outras empresas. Por outro lado, a proposta não indica se o PSD pretende, em caso de ganhar as próximas eleições, vender a empresa RTP ou retirar-lhe apenas um dos canais. Nenhuma das hipóteses me parece positiva e ou não tem lógica política ou não tem lógica institucional/empresarial. O único aspecto positivo da proposta é a manifestação de intenção de fazer alguma coisa. Qualquer solução, mesmo a privatização, é melhor do que a situação actual.

Todavia, penso que o melhor caminho seria o da extinção pura e simples da RTP e sua substituição por um serviço público feito em moldes radicalmente diferentes. Isso deveria passar também por extinguir a Alta-Autoridade para a Comunicação Social e substituí-la por uma nova instância do Estado.

Eis o que se poderia fazer:

1. O Estado cria uma nova Alta-Autoridade para as comunicações, englobando as atribuições do ICP, do ICS e da AACS. Essa Alta-Autoridade depende do Parlamento e tem mandatos são não coincidentes com os do Parlamento; a Autoridade tem de ter independência quase total do Parlamento. A sociedade civil e as associações do sector estão representadas.

2. O Parlamento revê toda a legislação do sector, incluindo lei da TV e da publicidade, proibição de contraprogramação e defesa dos direitos dos espectadores.

3. O Estado encerra a RTP, criando uma nova estrutura, ligeira, para gerir as frequências de TV hoje atribuídas à RTP e gerir programação.

4. Essa estrutura (que pode chamar-se RTP ou outra coisa qualquer) é totalmente financiada pelo Estado. Não tem publicidade nos canais entregues à sua gestão, aceitando patrocínios institucionais.

5. Essa estrutura não produz quaisquer programas de TV, incluindo noticiários, comprando-os na íntegra no mercado nacional e internacional.

6. As regras da nova estrutura quanto a programas deverão ser muito estritas quanto a: a) independência total do poder político, económico, militar ou outro; b) quotas de programas nacionais, de programas informativos, de documentários, etc.

7. A nova estrutura terá apenas a responsabilidade da programação desse canal generalista e da RTPi, fazendo a gestão do tempo da outra frequência nacional, destinada a acções educativas e distribuída por períodos horários a outras entidades. A RTP África deve terminar (é dinheiro dos portugueses gasto em parte em propaganda de regimes estrangeiros, nomeadamente o regime fascista angolano); a informação portuguesa para África passa a incluir-se na RTPi.