Eduardo Cintra Torres

O Lugar Central dos Apresentadores de TV


Os apresentadores de programas de informação televisiva encontram-se entre as pessoas mais importantes do meio e têm um lugar social que em muito ultrapassa o seu poder. O momento actual, abençoado pelo regresso do debate político, constitui uma boa ocasião para apreciar algumas características da função dos "pivots" usando como exemplos três dos seus principais representantes na televisão portuguesa: Judite de Sousa (RTP1), Rodrigo Guedes de Carvalho (SIC) e Henrique Garcia (TVI).

Judite de Sousa passou a difícil prova dos debates autárquicos do Porto e Lisboa. Dominou o terreno e deu oportunidades a todos os intervenientes; além disso, estava a par dos temas importantes. A tarefa não era fácil, dada a ampla experiência que os principais candidatos têm do meio televisivo e do debate político.

Ao contrário, Clara de Sousa (SIC/N) não teve mão nos candidatos dos debates que supostamente moderou e, por isso, pareceu ser favorável aos candidatos mais interruptores. Além disso, parecia não acreditar nas perguntas que ela mesma fazia. No conjunto, a sua intervenção não denotava autoridade jornalística e de apresentadora, pelo que por vezes resvalou para o autoritarismo.

Judite de Sousa acumula ampla experiência na apresentação, debate e entrevista, sendo hoje um dos melhores jornalistas disponíveis nessas tarefas. Em parte, atingiu este patamar à custa dos espectadores: o estilo nervoso e de interrupção permanente não servia nem o bom ritmo da entrevista ou debate nem o esclarecimento dos espectadores.

Interromper um entrevistado é uma prerrogativa, um direito importante dos entrevistadores e apresentadores da informação na TV. Têm esse direito porque estão ao serviço do espectador e não do entrevistado. Se este embrulhar respostas, se se repetir, se fugir à pergunta, se fizer demagogia inútil ao esclarecimento, a interrupção não é só um direito mas um dever. Todavia, Judite de Sousa exagerava e ainda exagera um pouco. Numa argumentação racional, isso faz sentido: ela já sabe que as palavras seguintes do convidado serão uma perda de tempo e por isso passa à frente. Mas há também um sentido formal da entrevista que os espectadores gostam de ver respeitado: não se pode interromper todas as respostas. Na vida comum o diálogo não se passa nesses termos, pelo que a interrupção constante introduz um "stress" excedentário.

A saída de José Alberto de Carvalho para a RTP colocou Rodrigo Guedes de Carvalho na apresentação regular do Jornal da Noite da SIC. Já não era sem tempo. O estilo de José Alberto de Carvalho foi acumulando defeitos: uma lentidão enorme na apresentação das notícias, perguntas arrancadas a ferros, complacência com entrevistados, demasiados "ãs" e "uhms", enfim, uma crescente pastelice. Além disso, notava-se já uma vontade de exprimir mais opinião do que a conta certa para um apresentador: muitos dos pequenos comentários finais às notícias eram inúteis.

Guedes de Carvalho caracteriza-se pela segurança, rapidez, inteligência da intervenção e assunção do papel do "pivot" enquanto voz da sociedade, o que muito poucos dos outros apresentadores sabem o que é. A forma como soube dirigir os debates autárquicos a dois, com autoridade não utilizada, foi muito positiva para o conhecimento que os espectadores puderam retirar das propostas e personalidades dos candidatos.

O humor e inteligência na forma como acrescenta um ponto ao conto das notícias do Jornal da Noite tem, porém, um preço: a ironia é pouco compatível com o papel de apresentador de boletim das oito horas. Há funções na sociedade que não dão bem com a ironia. Não se imagina um oficial ou um padre a ironizar facilmente para as praças ou os fiéis - e um pouco de chefe e de sacerdote é o que é um bom apresentador de noticiários. Daí que a ironia tantas vezes experimentada por Guedes de Carvalho, servindo uma minoria, não serve a função e a maioria dos seus espectadores.

Com a mesma facilidade com que saiu da RTP, Henrique Garcia impôs-se na informação da TVI. Os noticiários foram limados nos seus aspectos mais estridentes, as vozes altas baixaram, a informação considerada "importante" pelas elites surge taco a taco com a informação considerada "importante" para as classes populares. A qualidade dos textos lidos melhorou, embora seja ainda muito fraca.

Garcia controla o noticiário e revela autoridade sem as gritarias ou os comentários parvinhos de outros apresentadores. Também faz alguns apartes em jeito de conclusão de notícias, mas geralmente soam justos.

Muito do que faz dum jornalista um bom apresentador é "irracional", escapa às razões do bom jornalismo. Há homens e mulheres que ficam bem na câmara e outros que ficam mal. A qualidade, firmeza e beleza do timbre da voz são importantes. Uns têm ou sabem simular as características de líderes de opinião, outros não têm ou não conseguem.

Já outra característica muitas vezes referida, a necessidade de os apresentadores terem "cabelos brancos", não é "irracional". De facto, o lugar social do apresentador de TV é tão vital e profundo, correspondendo a arquétipos da condição humana, que o espectador comum prefere jornalistas respirando mais experiência profissional e de vida do que jovens em começo de carreira que não podem ainda representar da mesma maneira uma "voz" com a sabedoria do passado. Henrique Garcia tem essa autoridade (que não é conquistada, é-lhe dada pelos anos), à qual se juntam harmoniosamente as suas qualidades de jornalista.

A diferença entre Garcia e os outros "pivots" da TVI foi patente no diálogo que manteve com Marcelo Rebelo de Sousa na segunda-feira após as eleições. Enquanto os apresentadores de domingo se colocam numa atitude de alunos perante o professor, Henrique Garcia apresentou-se como o jornalista que fez perguntas ao comentador. A diferença é notável, pois não só beneficia a prestação de Rebelo de Sousa (que se torna mais espontânea, mais viva) como reafirma a posição de autoridade do apresentador do noticiário, que é uma característica inata ao lugar.

Mas, tal como sucede nos canais concorrentes, Henrique Garcia desaparece amiúde do ecrã. As razões são incompreensíveis, pois isso põe em causa a ligação espectador-apresentador. Noutros países não existe a estranha rotação entre "pivots" que acontece em Portugal: eles são instituições demasiado importantes na sociedade para se estar sempre a mudar.