Eduardo Cintra Torres

O NTV Envergonha o Porto (Ou o Norte?)


O director do canal NTV foi demitido ao fim de uma semana de emissões; a decisão pecou por tardia. Desde há meses que era evidente (excepto para a PT) que o canal seria um horror.

No dia 3 de Maio deste ano pude ouvir Carlos Magno ler o Estatuto Editorial do NTV. O documento prometia um canal que era do Porto, mas... não só do Porto; um canal bairrista, mas... também cosmopolita; um canal "do Norte", mas... não apenas regionalista; um canal português, mas... também europeísta e do mundo inteiro.

Em resumo, o canal prometia ser uma salgalhada. Quando se quer ser tudo e nada é-se apenas nada. No dia 15, os portugueses que espreitaram o canal 11 da TV Cabo perceberam que o NTV pura e simplesmente não existe.

O criador Magno prometeu meses a fio a criatura maravilhosa; quanto mais atrasava o arranque do NTV, mais altíssimas eram as expectativas que Magno alimentava na imprensa, na rádio e no próprio canal, infestado das promessas e imagens do criador.

A demagogia não resistiu ao confronto com meia dúzia de horas de emissões. Resultado da incompetência da administração do canal e da PT Multimédia - que repetiu, em pior, o seu erro no CNL - o NTV é um espelho do seu criador.

Carlos Magno, jornalista de rádio, um dos mais conhecidos comunicadores na TSF e depois colunista no "Diário de Notícias", consegue há muito apresentar-se como representante "natural" do Porto. Essa identidade está embutida no seu discurso habitual.

A chegada ao poder de António Guterres acentuou a sua visibilidade como comentador, não porque fosse uma consciência crítica da opinião pública, mas precisamente pela razão contrária: porque privava com os poderosos e porque dava "dicas" ao governo de como governar. Magno tornou-se um dos expoentes do jornalismo do estado de União Nacional cor-de-rosa a que o país chegou no final dos anos 90.

O seu estilo corresponde também ao poder rosa: as intervenções radiofónicas, mas principalmente os artigos no "Diário de Notícias" eram um conjunto de jogos de palavras "engraçudos" sem sentido profundo: a superficialidade das palavras é fogo de artifício que esconde aridez.

Com carreira de rádio, Magno não tinha experiência de televisão quando a PT o pôs a liderar o projecto do NTV. Só recordo, no início da SIC, o Fogo Cruzado, que mais não era do que péssima televisão mostrando um razoável programa de rádio da TSF.

O currículo permitiria à PT compreender que o perfil de Magno se prestava mais a outras tarefas dentro do grupo (rádio, relações públicas) do que a criar de raiz um projecto de TV, que implica empenho total, conhecimento das técnicas, linguagem e géneros. A superficialidade da graçola, o voluntarismo e a ligação aos poderes nacional e local do Porto não chegavam para criar sete horas de TV por dia.

O caso é tanto mais estranho porquanto a PT já passara pelo vexame do CNL, cuja direcção também fora entregue a uma jornalista sem competências para a tarefa. Agora, a PT preferiu arriscar o seu dinheiro numa carreira com forte ligação ao poder do momento e demasiado cheia de jogos de palavras. O mesmo fez a outra "accionista" do canal, RTP, Titanic sem rumo. Compreende-se que Emídio Rangel, ao assumir a Direcção-Geral da RTP, tenha deitado as mãos à cabeça quando visitou o NTV. Mas já era tarde. O canal tinha de começar. Vêm aí as eleições autárquicas e era preciso tomar partido.

O director do NTV encheu o canal dele mesmo ainda antes e depois de o canal começar: nunca na minha vida vi um canal em que o seu director aparecesse tanto. Nunca na RTP, SIC, TVI, CNL, SIC Notícias ou SporTV os directores apareceram mais do que em breves intervenções ou, moderadamente, num ou noutro programa de informação ou entretenimento. Com Carlos Magno dá-se o caso extraordinário de ele ocupar mais de 20 por cento da programação total do NTV (22,5 por cento do total da emissão!). Nem no Terceiro Mundo.

Ele anima o horário nobre diariamente com os seus lugares-comuns e, repetindo o erro do Fogo Cruzado, ainda põe no ar o seu programa de rádio com Carlos Amaral Dias, Freud & Maquiavel, que bem se podia chamar Narciso & Narciso, tão transbordantes de ego que ambos se revelam.

A emissão do NTV é caótica. Não se sabe o que passa, quando, porquê. É uma manta de retalhos. Os repórteres "multimédia" estão fechados na redacção: não há exterior, não há vida, não há povo, não há cidade. Os noticiários são pífios a nível local, regional, nacional ou internacional.

O canal não tem conceito: é do Porto ou do "Norte"? E o que é o "Norte" do NTV? É o daqueles portuenses que sonham com uma região controlada pelo Porto? É o Norte da Comissão de Coordenação da Região? É o Norte da região que o governo quis criar no referendo, englobando os distritos de Braga, Porto e Viana do Castelo? É esse Norte na versão Fernando Gomes, com mais cinco municípios de Aveiro? Ou é o norte de Magno, que, pelo mapa da meteorologia do NTV, engloba os distritos Braga, Porto, Viana e Vila Real, somando-lhes Aveiro e deixando Bragança de fora?

Aquilo é o "Norte"? Aquilo é o Porto? E que jornalismo é aquele, de fretes ao poder local e da mais indigente incompetência visual e linguística? Rodeado de jovens inexperientes e por isso mesmo vulneráveis, Magno promoveu um jornalismo reverencial ao poder, com muitos erros, velho, sem povo, sem Porto, sem Norte. Os portuenses que conheço não se revêem naquela miséria. Os lugares-comuns sobre o Porto são aflitivos. Não há ali informação vibrante, não há novidade, não há vanguarda, não há uma cultura audiovisual que exprima uma verdadeira cultura da cidade. Nem mesmo o impacto positivo do Porto 2001 tocou ao de leve o NTV.

A resposta dos portuenses e das pessoas do "Norte" (qualquer que ele seja) está à vista: uma audiência próxima de zero, incluindo na cidade do Porto. O Porto e o "Norte" não se reviram no NTV. Para propaganda já havia outros canais. Para falta de imaginação já havia muitos e melhores.

A estratégia da PT para os seus "conteúdos" só faz sentido político, não profissional. Enquanto as jóias da coroa - o "JN", o "DN" -são sujeitas a desinvestimento, a PT lança-se em projectos como o CNL e o NTV, que fica agora entregue a José Alberto Machado, da RTP, outro clone de Jorge Coelho. A União Nacional rosa apenas muda de nome.