Eduardo Cintra Torres

Mudar do "Share" para o "Rating"


Eu proponho que os jornalistas da imprensa diária, semanal e especializada substituam na quase totalidade as suas referências ao "share" pelos valores dos "ratings".

O "share" é um valor comparativo. Permite verificar quais os canais e os programas que obtiveram - no mesmo momento ou no mesmo dia - uma preferência em relação aos outros programas do momento ou do dia. O valor de referência é a totalidade das pessoas que estavam com o televisor ligado naquele instante ou naquele dia. Por exemplo: Os Segredos de Verónica - Reposição (TVI, quinta, 27) teve um fantástico "share" de 30,5 por cento. Mas quantos o viram? O "share" não contém em si qualquer valor absoluto de audiências. Nada indica sobre a quantidade de pessoas que viu TV naquele momento ou naquele dia. Desta forma, um "share" alto pode corresponder a uma audiência de 23 mil pessoas. Foi esse o "rating" dos tais Segredos de Verónica, exibido às quatro da manhã.

Dado que relaciona uns programas contra os outros, o "share" é uma forma de avaliação importante para os próprios operadores de TV. Serve como ferramenta para se saber que as preferências das audiências se inclinaram mais para este programa do que para aquele, se inclinam mais para este canal do que para o outro. Nesse sentido, é um valor útil para os observadores. Por exemplo, o crescimento da oferta alternativa - que se faz roubando-se espectadores aos canais tradicionais - constata-se melhor através do "share".

Não quero diminuir o valor do "share": a própria democracia política traduz-se no "share" dos partidos no Parlamento. Mas o "share" induz análises deformadas. O que realmente interessa na audimetria é o número de pessoas que vêem os programas. Esse valor é dado pelo "rating" (aquilo a que propriamente poderemos chamar a audiência de um programa) e é iludido se apenas se usar o "share". O "rating" é o número médio de pessoas que viram certo programa ou canal. Com os "ratings" também podemos comparar uns programas com os outros - e melhor, pois sabemos realmente quantas pessoas viram um programa.

Os "ratings" exprimem-se em números absolutos de espectadores dum universo (no caso português, as pessoas com 4 anos ou mais do continente). Em percentagem desse universo, o "rating" transforma-se em audiência média. Os "ratings" dão a dimensão verdadeira da audiência. De facto, não é a mesma coisa dizer-se que um programa teve um "share" de 30,5 por cento ou que esse mesmo programa foi visto por 23 mil espectadores. No primeiro caso, ficamos com uma noção de grandeza que contagia o que pensamos do número absoluto de espectadores.

Estes exemplos de quinta-feira 27 podem ser úteis para se compreender como é diferente usar o "share" quase em exclusivo e usar-se a comparação com o número absoluto de espectadores. Por exemplo, o Telejornal da RTP1, com metade do "share" da novela Um Anjo Caiu do Céu, da SIC, tem o dobro do "rating".

Programa Share Rating

Praça da Alegria 18,0% 100 500

SIC 10 Horas 38,5% 286 600

Big Brother - Compacto Manhã 28,9% 378 600

Um Anjo Caiu do Céu 44,0% 376 400

Telejornal 24,7% 825 000

Jornal da Noite 28,2% 913 500

Jornal Nacional 40,0% 1351 800

Os serviços noticiosos das 20h00 são indicadores do que são realmente as audiências: o "share" somado dos três canais é de 92,9 por cento; todavia, o "rating" foi de 3.089.300 espectadores, ou seja, 34,5 por cento dos portugueses do continente com 4 anos ou mais. A penetração directa de todos os telejornais é inferior a metade da população adulta.

O facto revela a importância relativa da TV como fonte de informação, seja no conjunto, seja na singularidade de cada telejornal. Neste quadro de oferta e procura, é muito difícil a um qualquer mágico de TV-Oz impor pontos de vista a toda a população. Tal como na estória, logo se descobre que o mágico é um pobre diabo escondido atrás duma cortina.

A divulgação publicitária do "share" serve em especial os interesses do operador que está em primeiro lugar. Terá sido a RTP, ainda com José Eduardo Moniz, a usar este termo de comparação, para provar como ainda mantinha a dianteira sobre a concorrência privada. Depois, à SIC também interessou usar o "share", para vincar a supremacia. Agora é a vez da TVI. Com o "share", "conseguem-se" maiorias avassaladoras que não existem.

O "rating" é o que mais interessa numa análise séria das audiências - e também para os anunciantes. Os operadores de TV divulgam a sua propaganda em "share" para os jornalistas e a opinião pública, mas com os seus clientes trabalham com "ratings". É este valor absoluto que permite ao anunciante saber quantas pessoas viram o seu reclame - e é a partir dele que se faz a tabela de preços da publicidade dos operadores de TV.

Tendo em conta que os programadores de TV avaliam a "qualidade" dos seus próprios programas pelo êxito de audiências, faz todo o sentido que lhes façamos a vontade e minimizemos a relatividade dos "shares" para atentarmos na brutalidade dos números absolutos de espectadores. Até porque os apocalípticos que dentro das suas cabeças vêem o povo como um rebanho hipnotizado pela TV poderão dormir mais descansados. Aquilo a que chamam "telelixo" não é visto senão por uma parte do "rebanho" que eles próprios gostariam de dirigir.

Um passo atrás, um passo em frente

Conforme referi numa crónica após os ataques terroristas, os repórteres dos vários canais americanos evitaram perguntar aos familiares das vítimas "o que sente". O apresentador da ABC Peter Jennings chamou-lhe a "pergunta mais idiota", uma "pergunta estúpida".

Sem querer chamar nomes a ninguém, fica a referência para o facto de o correspondente da TVI nos EUA, Luís Pires, ter conseguido a proeza de fazer essa pergunta a luso-descendentes dos arredores de Nova Iorque. Será que ele não vê TV americana?

Entretanto, uma das maiores estupidezes da história da televisão portuguesa desapareceu há uma semana dos ecrãs: por iniciativa unilateral do novo director de Informação da SIC, Alcides Vieira, o Jornal da Noite foi transferido das 19h56 para as 20h00. No dia seguinte, a TVI fez o mesmo. Aleluia! Não foi preciso auto-regulação aos molhos em papel azul, bastou bom senso numa cabeça.