Eduardo Cintra Torres

TV Pelintra Não Faz Bons Programas


O novo ministro da televisão, Augusto Santos Silva, anunciou ao país o plano eventual para uma eventual fusão do ICP, do ICS e, em caso eventual, da AACS. Essa e outras "novidades" já haviam sido, porém, anunciadas pelo anterior detentor da pasta. O ministro repetiu a promessa de formar um grupo de trabalho de personalidades, que terá pronto o seu estudo a tempo de ficar esquecido para sempre, dado que será entregue, se Deus quiser, por altura das eleições. O Governo não decide; o Governo cria grupos de trabalho e fala à imprensa.

O ministro prometeu nada mudar na RTP, o que é sempre bom ouvir. Ele está na expectativa dos resultados de mais um estudo (o milésimo centésimo quadragésimo quarto) sobre a viabilidade financeira da RTP. Disse ele: o saneamento financeiro "está em estudo". Entretanto, chegam as eleições e o ministro safa-se do "dossier" como os anteriores: deixando tudo na mesma. O próximo ministro, então, mandará fazer um estudo sobre a viabilidade financeira da RTP (o milésimo centésimo quadragésimo quinto), "novidade" que anunciará à imprensa.

O buraco financeiro da RTP é hoje dinossaurôntico. A RTP tem menos publicidade e mendiga ao Governo as "compensações" que o próprio Governo criou e não paga a tempo e horas. A situação financeira da RTP é crónica e faz parte da anormal normalidade política do país. Tal como o Governo e o seu partido, a oposição parlamentar rala-se pouco com tudo isto.

Mas a questão financeira é grave, e muito mais se alargada aos três operadores nacionais de TV, porque tem implicações directas sobre a qualidade da programação.

A televisão é, em Portugal, um negócio bem mais frágil do que pareceria há um ano apenas, quando a SIC dominava o panorama, tinha invejável liderança e o seu director de programas reunia-se mensalmente com os jornalistas, a quem expunha a grandeza da posição da SIC no mercado.

Hoje, a SIC está à beira de perder a liderança da audiência, perdeu-a no sacrossanto "prime-time", tem receitas dez por cento inferiores às de 2000, tem problemas internos de pessoal por resolver, revela desorientação na programação (com terríveis gastos financeiros indexáveis à contraprogramação), vê-se confrontada com plenários tipo PREC e acaba o primeiro semestre a perder milhões de contos. Milhões de contos! A estação que liderou folgadamente o mercado durante anos seguidos!

A SIC não está, portanto, em condições de avançar com projectos "ousados" na área da programação corrente.

Entretanto, a TVI conseguiu ganhar a iniciativa, liderança no "prime-time", aumentar mais de 80 por cento a receita, acolher a simpatia da "maioria sociológica" do país e alterar significativamente o conceito de informação na TV - mas tudo isto com apenas três programas: Big Brother, Jornal Nacional e telenovela portuguesa.

Apesar de enquadrada agora num grupo, a TVI continua entretanto a pagar os tenebrosos erros de gestão e de estratégia do passado, quando esteve entregue a "empresários" amadores e sabe-se lá a quem mais. Em três anos, o seu passivo terá diminuído de 15 para 10 milhões de contos. O dinheiro que entra tem sido reinvestido primeiro em programação cada vez mais cara e com a qual a TVI também não tem muita margem de manobra: dirigir-se-á quase em exclusivo à "maioria sociológica".

As consequências deste quadro não são animadoras:

1. Nenhum dos três operadores nacionais está em boas condições financeiras.

2. Nenhum dos três operadores nacionais pode arriscar-se a produzir programas "alternativos" às chamadas apostas certas ("sure bets") de "prime-time" destinados à "maioria sociológica".

A programação de "prime-time" prevista para Setembro nos operadores privados é desanimadora: telenovelas (portuguesas e/ou brasileiras); "reality-shows" (TVI); "talk-shows" (SIC); noticiários principais com mais de uma hora.

Na RTP, cujo primeiro canal está entregue a Jaime Fernandes, "gestor" sem capacidade de iniciativa e sem capacidade táctica ou estratégica, não se prevê uma alternativa ao quadro dos privados: a ficção nacional da RTP1 ou é de baixíssima qualidade (A Estação da Minha Vida) ou não é nem interessante, nem cativante (Alves dos Reis, Bastidores). Como não há dinheiro, nem mesmo bons programas baratos podem avançar, nomeadamente na RTP2.

A relação entre a economia do meio e a produção de programas é mais do que evidente. Nenhum dos operadores pode arriscar-se com projectos que saiam dos esquemas da época televisiva 2000-2001.

A próxima época deverá, pois, reforçar a alternativa da programação do cabo, vídeo e satélite, que se vai aproximando dos 10 por cento do "share". Crescerão as pequenas fatias de públicos de jovens, Classes C1 e A/B e crianças que se vão identificando menos com a programação para a "maioria sociológica". Aqui, a SIC sai em vantagem, pois avançou primeiro com canais alternativos ou temáticos.

Há muito tempo que o poder político já deveria ter tomado medidas radicais e corajosas para alterar essa coisa pífia a que alguns costumam chamar pomposamente a "PAP - Paisagem Audiovisual Portuguesa". Bastaria vontade política, coisa bem diferente de criar "grupos" e repetir "estudos". Sem se mudar o quadro da actividade televisiva, não haverá melhores programas. Mas, pelos vistos, quem perde não é apenas o espectador: são também os operadores privados e os contribuintes. Neste momento, toda a gente está a perder com a astenia do Governo e do Parlamento.