Eduardo
Cintra Torres
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O Cotovelo de Aquiles e Outros Temas Cólturais |
A Travessa do Cotovelo (RTP2, domingos) mostrou, na sua sucessão de apresentadores, como o papel destes é fundamental até num programa que se apresenta como de tertúlia, supostamente equilibrado na pluralidade de vozes. Puro engano: aquilo é televisão, não é tertúlia. O apresentador conta muito. Ele é o calcanhar de Aquiles deste tipo de programas. Justificam-se, assim, os cuidados e os erros dos programadores e produtores na escolha da pessoa certa para o programa certo. Vários programas passaram já por diversos apresentadores até encontrarem aquele que melhor convém ao figurino do programa e à comunicação com o espectador. Pode dar-se o caso de o apresentador de um programa não ser aquele que é considerado "melhor", mas aquele que "funciona". Clara Pinto Correia conseguiu estragar a habituação que os espectadores haviam conseguido com Maria Lúcia Lepecki, Fernando Mascarenhas e Maria João Seixas. Os antecessores de Pinto Correia tinham, cada um à sua maneira, apresentado programas em que a participação dos convidados e a deles mesmos servia o fim do programa. Houve um ligeiro intervencionismo de Lepecki e um demissionismo de Mascarenhas, mas os diferentes estilos inscreviam-se na busca do interesse do programa para os espectadores. Com Clara Pinto Correia é diferente. Ecrã meu, ecrã meu, existe no mundo alguém mais belo do que eu? O seu narcisismo exorbita. É difícil acompanhar o debate - que existe realmente - porque o narcisismo da apresentadora se põe à frente do conteúdo. Se fosse um programa de rádio notar-se-ia menos, apesar do excessivo intervencionismo de Pinto Correia. E é pena, porque tem havido temas e intervenções interessantes. A atitude da apresentadora coloca o programa ao serviço dela mesma - e, assim, a participação dos convidados não serve o público, serve a ela. Eu, por mim, naquele registo, em lugar dela preferia que regressasse à vida outra Correia, a Natália. Mas enfim. Esta estará lá em 13 programas. E outros 13 servirá, se não for para tão longo amor-próprio tão curta a audiência. * * * Alves dos Reis é, para todos os que conhecem a sua história, um verdadeiro herói nacional: enganou o Governo, enganou o Banco de Portugal e enganou os malandros dos ingleses que têm a mania que são espertos e rigorosos, todos certinhos a comer à mesa e a cumprir as regras e leis. Embora pôr a circular dinheiro a mais seja mau para a economia, Alves dos Reis não fez mais do que faziam os governos inflacionistas da altura e, assim, pode dizer-se que Alves dos Reis enganou toda a gente e não fez mal a ninguém. Foi o maior burlão da nossa História, provavelmente o autor da mais bem feita burla de sempre. É, além disso, uma personagem muito interessante. Toda a gente tem admiração e estima por este Robin dos Bosques, por este Zé do Telhado de colarinho branco que não matou, nem sequer "roubou", pois apenas se limitou a encomendar umas notas de banco ao seu fabricante verdadeiro e este, estúpido, entregou-lhas. Como não havia Alves de Reis de estar no cinema ou na televisão? Lembro-me de ter visto, há um quarto de século, uma série (inglesa ou italiana?) na RTP dedicada a Alves dos Reis e à sua encomenda de notas do Banco de Portugal ao fabricante inglês. A série era parca de meios, toda feita em interiores, e, do que recordo, dedicada em exclusivo à burla preparada por Alves dos Reis. Era uma série simples, mas eficaz, com enredo policial e jurídico e com "suspense". Vinte e tal anos depois, a RTP apresenta outra série dedicada a Alves dos Reis, desta vez de produção portuguesa, com meios importantes, reconstituição histórica que tentou ser rigorosa, muitas personagens - e um grande enredo. Um enredo grande de mais, por sinal. O espectador que conheça a história de Alves dos Reis tem de fazer algum esforço por se interessar pelo argumento, pelas personagens principais e secundárias. A razão é apenas uma: ao fim de meia dúzia de episódios a série ainda não tinha chegado à burla. Nem nada que se pareça! Andava a engonhar, a criar subenredos, a desenvolver personagens secundárias - tudo menos a grande burla. Houve um enorme desvio no desenvolvimento deste argumento no sentido de fazer um "E Tudo o Vento Levou" televisivo em redor da história do burlão, aquilo que se costuma chamar "pintar um fresco" da sociedade. Mas, da maneira como a série está feita, o desvio narrativo afasta-nos, irremediavelmente, do fulcro da história de Alves dos Reis. Fez-se argumento de telenovela para uma série que se espera seguir o formato habitual das séries históricas. Não sei o que se ganha em adoptar a estética dos argumentos da telenovela a séries deste tipo, mas sei o que se perde: a estética própria da série televisiva. Se a série não é uma telenovela, não deve "comportar-se" como uma. * * * Uma parte dos espectadores de televisão têm uma relação de "culpa" com a leitura. Para quem tem uma educação que passou pela leitura, a TV é, irremediavelmente, um substituto por ocupar o tempo disponível e também, é preciso reconhecê-lo, por fornecer informação e um mínimo de conhecimentos que tornam desnecessárias algumas leituras. Mas, como a TV é um meio audiovisual e, portanto, totalmente diferente da cultura escrita, muitos espectadores irritam-se consigo mesmos por "se deixarem" ver televisão em vez de lerem. Agora, porém, já não precisam culpabilizar-se. Eis o que diz a frase de promoção dum programa da SIC Notícias: "Ler um livro ou ver televisão? O dilema já não se põe, com o novo programa de Bárbara Guimarães!" De facto, para quê ler um livro se o espectador pode, em substituição, ver um programa de TV... sobre livros e cultura? |