Eduardo Cintra Torres

A Oposição Televisiva


A Portugal Telecom continua a rondar a TVI mas nos últimos dias coube à Oni-EDP, também controlada pelo Estado, posicionar-se para entrar na Media Capital. Trata-se de uma questão que ultrapassa a vertente empresarial. Desde logo porque, no dia em que a PT ou a EDP comprar a TVI, acaba a oposição em Portugal.

Não temos oposição parlamentar, todos o dizem, uns com cínica tristeza, outros com clínica certeza. O PSD parece um jardim de infância onde as crianças dormem muito e, se acordam, dizem coisas a despropósito que não encaixam num discurso coerente. O PP faz uma oposição que parece concertada com o Governo; há uma natureza superficial na sua oposição mediática. O PCP anda por casa a lamber feridas. O Bloco de Esquerda não é um bloco.

Quem assume a verdadeira oposição - na televisão, por haver televisão -, é um número crescente de movimentos de cidadãos e algumas organizações profissionais (sindicatos, Ordem dos Advogados). E, claro a própria TV. Alguma TV.

A RTP desapareceu por falta de notoriedade, e, de qualquer forma, não faria oposição.

A SIC e a SIC Notícias estão institucionais, redondas. Parecem uma RTP privada. O Olho Vivo bem os avisou, sem êxito. Agora, a SIC encomendou estudos de opinião que concluíram o que lhes tinha dado à borla: o povo acha a informação da SIC acomodada aos poderes. Uma reunião do sector informativo da SIC/SIC Notícias já em Abril serviu para debater essa conclusão.

A TVI começou mais fresca e humilde; descobriu o povo; assumiu o conceito Praça Pública que na SIC já só existe como aqueles "recuerdos" da sua juventude anticavaquista. O director de programas da SIC disse uma vez que o seu Praça Pública terminara porque tinha cumprido o seu papel, isto é, tinha passado à história. Com a TVI a fazer "praça pública", verifica-se que este conceito de informação não passou à história e - pelo resultado dos estudos de opinião - que o povo não é parvo e sabe muito bem "descodificar" o significado do posicionamento "institucional" da informação da SIC.

Ocupando o lugar deixado vago pela SIC, a TVI está onde está a oposição não parlamentar e o refilanço popular; confronta os ministros e alguns poderosos. Faz o que a RTP nunca fez e o que a SIC deixou em parte de fazer. Tem uma atitude combativa que a SIC preferiu abandonar quando o PS formou governo e quando, ao assumir o primeiro lugar das audiências, assumiu o papel de "serviço público".

Resultado: o Jornal Nacional entrou no mapa da informação e dos programas mais vistos. O espectador sente que o Jornal Nacional está "do seu lado", enquanto o Jornal da Noite "condescende" em dar-lhe as mesmas notícias.

Não se trata de avaliar aspectos técnico-formais, que continuam bastante mais apurados na SIC, mas da atitude geral e da relação dos dois canais com os espectadores. Também não se trata de "medir" o tempo que os partidos do governo ou da oposição parlamentar estão nos ecrãs, exercício que é hoje de enorme futilidade perante a ineficácia dos partidos e perante as formas emergentes de se fazer política que revelam como os cidadãos já não se sentem representados pelos partidos tradicionais.

Quando digo que a TVI é que faz (mais) oposição refiro-me às notícias que não agradam ou que incomodam verdadeiramente o Governo, já que nem Barroso, nem Portas, nem Carvalhas o incomodam: as notícias do que o Governo faz mal, do que deixou de fazer, do que disse que fazia e fez de maneira diferente, das suas contradições, dos casos de revolta popular televisionável (pontes caídas, estradas cortadas, etc), dos casos sociais, das reivindicações de movimentos de cidadania (Souselas, etc).

Em suma, a TVI é hoje a face da oposição. Parece estranho que a oposição se corporize num canal de TV, mas não é. Hoje, a televisão é metade do mundo. O caso da TV checa e depois o da NTV russa (mais um de que as organizações nacionais de jornalistas se "esqueceram") apenas confirmam que a TV pode ser um importante baluarte da oposição ou o lado mais visível da liberdade. As manifestações em Praga e Moscovo não se fizeram por causa dos parlamentos ou dos partidos, mas por causa de canais de TV. As pessoas sentiram que sem um canal de TV não governamental não haveria liberdade verdadeira, mesmo havendo partidos de oposição.

É difícil estabelecer até que ponto a oposição que a TVI corporiza resulta de estratégia comercial para obrigar um Governo nervoso a comprá-la cara. Visto do lado da PT ou EDP: é difícil saber se quereriam comprar a TVI se esta não fizesse oposição tal como a descrevi. Mas essa análise não altera os factos. A TVI fará oposição até ao dia em que for comprada pela PT (ou pela EDP, o que é a mesma coisa).

A PT é controlada pelo Governo, mais do que isso, é controlada pelo PS. Mesmo os seus gestores independentes servem uma estratégia delineada pelo partido governamental. A EDP é uma empresa igualmente controlada pelo partido governamental.

A necessidade de comprar a TVI tem, portanto, um lado político muito forte; a estratégia empresarial encaixa na estratégia do PS. Calando a TVI, o Governo calaria a única oposição visível que existe no país. Há eleições à vista.

A oposição visível poderá ser calada desta forma "empresarial". Vladimir Putin também justificou o silenciamento da NTV como uma operação "empresarial" - e o Ocidente calou-se. Para sobreviver, o Governo PS, que vive pelos "media", precisa de uma democracia mansa. Com a RTP abúlica, com a SIC e a SIC Notícias gordas e pró-institucionais, e com a compra da TVI pela PT ou EDP, o Governo teria uma hegemonia ideológica monopolista em Portugal. E, ao contrário do que escreveram críticos dos meus artigos sobre a TV e Castelo de Paiva, a hegemonia ideológica na sociedade é uma coisa muito séria.

Esclarecimento aos leitores

Em entrevista a Adelino Gomes na PÚBLICA (15-04-01), o apresentador Carlos Cruz afirma que eu nomeei o Big Brother no júri dos Globos de Ouro 2000. E acrescenta: "Ele pode nomear o Big Brother. Não pode é pôr ao lado, como programa de entretenimento, o Artes & Letras." 1) Não nomeei o Big Brother. Os membros do júri votaram individualmente, como é do regulamento; as nomeações resultam da soma aritmética dos votos. 2) Quem incluiu o programa Artes & Letras na lista dos candidatos ao Globo de programas de entretenimento foi a própria RTP.