Eduardo
Cintra Torres
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O Sexo Já Não É Subversivo |
Jornal Nacional: uma operação para transformar o dedo grande da mão em pénis. Jornal da Noite: longa reportagem sobre a pedofilia, com bolinha. Prime-time TVI: "reportagem" sobre a noite de Lisboa destinada exclusivamente a promover os lugares de "strip-tease" e a mostrar as "strippers" em acção, um vómito que insulta qualquer repórter. Sexo nas notícias, na "informação", nos "talk-shows" - como as Noites Marcianas apresentadas por Carlos Cruz (SIC, dias úteis). O programa serve para desbundar ao fim da noite; destina-se a um público urbano impregnado dos modelos juvenis da sociedade. Cruz rodeia-se de "marcianos" que vomitam tolices e ingerências na vida privada. Treinam-se para isso. Ofensivo ou inofensivo, o programa obriga-se a ser "bem-disposto". Mas o humor é muito superficial e, porque não trabalhado com profissionalismo, raramente tem graça. Logo, cansa. Ainda por cima, com duas horas e meia, termina a poucas horas dos trabalhadores se levantarem. Os primeiros convidados foram um realizador e um produtor de filmes porno, que se tratavam mutuamente por "o senhor", e uma das suas vedetas porno. Juntaram-se-lhes os "especialistas" do programa em sexo, embora não se explicasse em que capacidade: Helena Sacadura Cabral, que regressa à SIC, e Eduardo Prado Coelho, que cedeu à irreprimível tentação multimédia da sociedade moderna e foi aqui cilindrado pelo processo. O verdadeiro "especialista" em sexo foi o porno-realizador, que interrompeu quem tentou falar seriamente - e para explicar que o seu trabalho é "cultura". Era o que os "marcianos" queriam ouvir. Essa parte foi repetida na sexta-feira. Carlos Cruz simula ter 18 anos e finge a felicidade. Os outros marcianos, com 14 aninhos por fazer, gracejam sobre sexo durante duas horas e meia. Como diria Júlia Pinheiro (DNA, 10.02), foi "subversivo". Na verdade, não há subversão no sexo das Noites Marcianas como não há no SexAppeal de Júlia Pinheiro. Há décadas que os "mass media" se esforçam por mostrar a vida íntima e isso passa pela sexualidade e pelo interior do corpo. Antes, não conseguiam ainda fazê-lo. Havia outras hegemonias na sociedade: igrejas, tradição, família nuclear, poder maior do poder político e prevalência das gerações mais velhas - até nos próprios media. Tudo isso foi varrido da face da terra ocidental. Cá, a revolução fez-se de repente às portas dos anos 90. Em consequência, muitos portugueses sentem-se como imigrantes na sua própria terra. Vêem Big Brother, Acorrentados, Noites Marcianas, "reportagens especiais" da TVI e não se reconhecem. Todavia, não têm forças para falar. Se contrariarem são gozados. Os seus valores são reprimidos pelos media dominantes. Os políticos, quando não fazem parte da mesma corrente, submetem-se. A tradição, essa, já morreu há muito, como a Rosa Ramalho. A Igreja, com uma força mais aparente que real, vira a cara e finge que não vê para não perder mais uma batalha. O padre Carreira das Neves foi às Noites Marcianas participar num pseudo-debate sobre as uniões de homossexuais: com que tratos de polé ele disse que não concordava lá muito com certas coisas! O esforço da Igreja em "modernizar-se" com os valores hegemónicos identificados com a juventude parece o do PCP. As Noites Marcianas não têm o mínimo interesse em debater o que quer que seja. O objectivo é simular debate, fazer entretenimento e criar aos "marcianos" oportunidades para as suas boçalidades e duvidoso humor. O tema principal será o sexo e afins: aconteceu na primeira noite (tema Sexo), na segunda (tema Coração), e na terceira (tema Pecados). Ao quarto dia falaram de vudus e ao quinto voltaram ao sexo (tema Humor). Na segunda noite foi duma baixeza abjecta a forma como Cruz, os "marcianos" e os "especialistas", um da "VIP" e uma certa Maria Guadalupe, falaram da vida privada de António Guterres e Catarina Vaz Pinto e denunciaram orientações sexuais de outras pessoas. Que autoridade moral, ética ou outra, Guadalupe, o tal da "VIP" ou qualquer presente, Carlos Cruz incluso, têm para "comentar" isso ou as "famílias ideais"? Que tem a Direcção da SIC a dizer sobre a invasão da esfera privada? Por muito menos, o responsável do "Dantas" levou uma chapadas numa rua de Cascais. Os valores dominantes são hoje os do prazer e do lazer, dum falso individualismo que imita modas e jargões de grupo, são os valores dos filhos predominando sobre os pais, da exibição do corpo jovem, da noite e do sexo. E, em nome da juventude, os "mass media" metralham-nos sem cessar para os impor à sociedade. Por isso, mostrar o sexo no SexAppeal, nas "reportagens" da TVI, ou mostrar o pénis erecto em penetração num écrã enquanto Prado Coelho tentava teorizar, deixou de ser subversivo - está em conformidade com os valores hegemónicos; apenas se vai mostrando um pouco mais. Subversivo, aquilo, mostrar umas imagens de sexo quando dois milhões e meio têm pornografia em casa via TV Cabo? No primeiro Big Brother, a mãe duma das raparigas que fez sexo no programa, quando confrontada com a situação, estava incomodada; ao segundo dia, depois de a terem levado à modista e ao cabeleireiro, passou a acomodada; ao terceiro, já a vimos orgulhosa: tinha sido infectada pelos valores vigentes, que antes não eram os seus. Na sexta-feira, as Noites Marcianas usaram o poder da TV para impor a conformidade do seu público à baixeza e reprimir a crítica social que ainda sobra na audiência: uma das "marcianas" vestiu-se de "crítica de televisão" - simbolizando a não-aceitação dos novos valores hegemónicos - para tornar ridículas eventuais críticas às tolices sobre a pornografia ou às nojentas ingerências em vidas privadas. A rábula visava mentalizar-nos que o "normal" é aceitarmos o conteúdo do programa, tal como a mãe da Big Brotheriana tinha de aceitar o que a filha fez. Achincalhar as pessoas é "normal", eis a mensagem. Os convidados foram para o programa com o receio de os gozarem em directo. Acabaria por ser com uma pessoa da "casa", Júlia Pinheiro, "especialista" do programa às sextas-feiras, que os "marcianos" mostraram que o achincalhamento é para a vítima aceitar: "amandaram" bocas de sexo por ela ter comido uma banana no seu programa matinal e ter sido confrontada pela ingenuidade duma espectadora com a palavra "mamada", cujo significado em castelhano desconhecia. Como o sexo já não é "subversivo", Júlia Pinheiro defendeu-se incomodada mas fingiu displicência. Malhas que este novo império tece. |