Colecção Privada
O quadro da semana - “O Carnaval do Arlequim ”

Joan Miró não foi totalmente surrealista, nem dadaísta, nem abstraccionista, "mas combinou afinidades desses movimentos, criando uma linguagem única", diz Rui Afonso Santos

Miró continua a "dispor de um espaço fechado, pesos e contrapesos que tomam aqui a aparência de pequenas criaturas divertidas e fantásticas a festejarem um carnaval", escreve Janis Mink, autor do livro "Miró" que a Colecção Privada põe amanhã nas bancas.

"Um guitarrista mecânico toca música enquanto os outros se ocupam com jogos. As figuras começam a ser conhecidas: um diabo sai de um tronco, um peixe está colocado sobre uma mesa; outros também lá estão: a escada, a chama, as estrelas, as folhas, os cones, os círculos, os discos e as linhas." O excerto de Mink refere-se a "O Carnaval do Arlequim", obra de Joan Miró (1893-1983) que Rui Afonso Santos, conservador e técnico superior do Museu do Chiado, Lisboa, elegeu para Quadro da Semana.

"O Carnaval do Arlequim" foi pintado, num formato reduzido, em 1924, ano em que André Breton publicou o "Manifesto Surrealista". Mas para Rui Afonso Santos, Miró está "além do movimento surrealista". Ou seja, "aproxima-se do surrealismo, mas nunca foi um radical servidor de Breton", diz. "Foi um homem de grande liberdade. Considerá-lo apenas surrealista é um pouco redutor, porque é cingi-lo a movimentos dogmáticos. Miró era um artista demasiado livre para se cingir a qualquer tipo de dogmatismo."

Por isso, para Rui Afonso Santos, Miró não foi "totalmente surrealista, nem dadaísta, nem abstraccionista, mas combinou afinidades desses movimentos, criando uma linguagem única". O símbolo da mãe e os universos da infância, a que o movimento surrealista recorre como uma busca pelo inconsciente perdido, "são signos que Miró desenvolve de uma forma perfeitamente autónoma".

A liberdade poética transborda nos primeiros "poemas voadores", na série das "constelações", na cerâmica ou nos grandes murais dos últimos anos. Este quadro "sintetiza todas as pesquisas que o artista desenvolveu; é onde a unicidade da linguagem está mais presente na produção icónica de Miró, mais emblemática nos anos 20". "O Carnaval do Arlequim", continua, "surpreende pelos signos gráceis, característicos de Miró - imagens, fragmentos de memória, olhos, formas biomórficas, formas originais de um universo de signos encantatórios artísticos notáveis - em que se evidencia a conquista do inconsciente".

Além do surrealismo, Miró sofre outras influências, explica, como Picasso, Van Gogh, Manet, Matisse, vectores que se confundem na sua obra: "Mas não passam de vectores, influências, que tornarão a sua obra perfeitamente única, uma criação individual."

Em 1955, depois de se dedicar à pintura de murais, à cerâmica e à escultura, Miró recebeu uma encomenda para decorar duas paredes exteriores do edifício da Unesco em Paris. Essa obra, para Rui Afonso Santos, "demonstra que Miró "não privilegiava uma única forma de expressão, mas muitas outras artes". "Foi consagração internacional de uma longa carreira, o culminar da liberdade poética."

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