Colecção Privada
O quadro da semana - “Domingo de manhã cedo”


O artista plástico Manuel Amado escolheu este quadro de 1930 do pintor americano Edward Hopper. “Uma obra pungente sobre o drama da expectativa”, diz. “Um poema à solidão humana” O pintor americano Edward Hopper (1882-1967) captou olhares fixos de mulheres banhadas de luz na geometria dos espaços, cidades perdidas do interior americano, o confronto entre o homem e a natureza.

“Não se vê ninguém, não se passa nada, no entanto, é uma das imagens mais pungentes que conheço sobre o drama da expectativa”, diz o artista plástico português Manuel Amado, 65 anos, sobre a obra que escolheu para a Colecção Privada: “Domingo de manhã cedo”, de 1930. Amado conta que escolheu este quadro porque se recorda “do encantamento e emoção que senti nas duas vezes que tive oportunidade de o olhar”.

“A rua deserta recebe os primeiro raios de sol. As lojas vão permanecer fechadas, porque é domingo. Atrás das janelas, há gente a dormir, a acordar, a levantar-se... Mas não se trata de uma família nem de uma aldeia. Ali, quase de certeza, ninguém se conhece. No entanto, o dia vai começar, alguém vai sair, alguma coisa vai acontecer, mas quando?, como?”, pergunta o pintor.

“Domingo de manhã cedo”, diz Amado, “está impregnado de uma carga poética que nos é integralmente transmitida em bloco”. Não é só “a sólida beleza”, explica. “É também a inquietação irresistível.”

Hopper é o retratista da solidão dos tempos modernos. Nos seus quadros, as figuras pairam na ausência, olhando o vazio, entre o consolo da natureza e a amargura da civilização. Manuel Amado confirma-o: “Este quadro é um poema à solidão humana. O mesmo se pode dizer de muitas outras pinturas de Hopper.”

Talvez por isso, a sua obra é “uma das mais importantes do século XX” e “participou fortemente na criação do imaginário colectivo norte-americano”. Um dos pintores mais representativos da “American Scene” (corrente de pintura realista e antimodernista popular nos Estados Unidos durante a Grande Depressão), Hopper foi “profundamente marcado pela anterior pintura americana e um grande estudioso da arte europeia”, diz Amado. O pintor americano “pertence à família dos que acarinham os valores da tradição cultural do Ocidente, tendo- lhe sido indiferente os saltos e rupturas sucessivas que as modas artísticas provocaram ao longo do último século”.

Mas a importância e a influência de Edward Hopper na América vai além do mundo das artes plásticas. A sua obra “encontrou eco em muitas cenas de filmes dos ‘anos de ouro' das décadas de 40, 50 e 60”, diz o pintor português. “Talvez se passe a apontar Alfred Hitchcock como o cineasta que mais se interessou pelos valores plásticos e poéticos da obra de Hopper. Estou a pensar em filmes como “Psico” (1960), “Os Pássaros” (1963) ou “O Homem que Sabia Demais” (1956).” Filmes sobre a América de Hopper — um país soçobrando no furor da riqueza dos anos 20 e no desespero do pós-guerra.

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