Colecção Privada Por que não o Taiti? A conservadora do Museu do Chiado, María Jesús Ávila, não desvaloriza a produção de Paul Gauguin nas ilhas do Pacífico, mas acabou por escolher uma obra dos primeiros anos para quadro da semana na Colecção Privada - "Auto-retrato com auréola", de 1889. "Esta produção de Arles é muito mais forte e fundamental no trabalho do pintor e anuncia as mudanças que vão aparecer depois no Taiti. Está tudo aqui", diz a conservadora. Além disso, de todas as obras dos anos que Gauguin passou em Arles, "esta é a que mais se distancia do impressionismo, é uma obra que marca a diferença". Gauguin aproximou-se do impressionismo - "era o movimento da moda em Paris, mas o pintor teve sempre muitas reservas em relação a algumas contingências do movimento". Ou seja, este quadro é uma prova da "recusa muito clara de tudo o que dizia respeito à realidade contingente da pintura, ao tratamento da luz típico dos impressionistas". Isso é posto de lado e Gauguin concentra-se na pintura como meio: "A luz é exterior à pintura. Ele centra-se em aspectos interiores, como a superfície, a cor, o desenho." Mas há também outras influências evidentes neste quadro, como a das estampas japonesas, "muito em voga em França" e que se denotam "nas flores, no prato, nas frutas, desenhadas em ritmos lineares". Van Gogh, por exemplo, foi outro pintor que sofreu as mesmas influências e também apresenta na sua obra várias estampas japonesas. "O contorno a preto das maçãs, das flores, vai isolar áreas, zonas cromáticas muito fortes", diz. "Esta é uma técnica usada nos vitrais medievais e que Gauguin transpõe para aqui. Repare-se na mão do artista, contornada com uma linha preta, desenhando campos cromáticos, manchas de cor em contraste directo com as linhas negras - o que é amplamente inovador." O resultado é o "tratamento clássico da linha, da cor, aqui conjugada com um tratamento novo do espaço." A oposição tradicional entre um fundo e uma figura é diferente, "porque Gauguin nega a existência de um fundo, como se fosse plano exterior; o vermelho do fundo não se pode destacar, tudo aparece e coincide no mesmo plano". Por isso, "a figura deixa de ser um elemento que se destaca do fundo. Não há figura, há uma não-figura, não há um fundo, há um não-fundo. As figuras existem e são negadas como tais. É como se o fundo fosse uma figura." María Jesús Ávila diz que estas características se encontram igualmente noutras obras do pintor como "O Cristo Amarelo" (1889) ou "Auto-Retrato com Cristo Amarelo". Para pintar esse auto-retrato, diz a conservadora, Gauguin posou em frente a um espelho com o seu "Cristo Amarelo" em fundo. Este "Auto-retrato com auréola" é uma síntese desses dois quadros: "O rosto é exactamente o mesmo, tal como o olhar, a luz, mas o desenho é sintetizado; é uma visão quase caricatural de si mesmo. Além disso, Gauguin sintetiza a sua cara com a imagem do seu Cristo amarelo. Neste quadro, Gauguin elimina o Cristo e assume o lugar da divindade, colocando a auréola em cima da sua cabeça." O elemento religioso e místico de Gauguin começa aqui, diz a conservadora, um tema a que o pintor recorrerá mais tarde no Taiti. A presença "da maçã, da serpente, da auréola, representam o pecado, a influência do místico, e anunciam muito da sua obra posterior". |
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