Colecção Privada
A sua segunda interpretação de “A Conversão de São Paulo” (há quem defenda que é a terceira) é a obra que o historiador de arte Vítor Serrão elege como quadro da semana na Colecção Privada. “Esta obra tem uma proposta altamente provocatória. Contraria todos os objectivos da pintura-espectáculo, da pintura-teatro do maneirismo. Aqui Caravaggio prefere jogar com o naturalismo, tocando naquele lado mais intimista do arrebatamento pela fé”, diz Serrão, garantindo que “A Conversão de São Paulo” é “um dos primeiros quadros do barroco”. Defendendo que se deve a Caravaggio uma recuperação do papel da pintura e do pintor e algumas das mais brilhantes obras da contra-reforma, Vítor Serrão encontra no artista boémio uma “humanidade extrema”. “Neste quadro, além de trabalhar um tema típico da contra-reforma — o arrependimento — de uma forma altamente tangível, Caravaggio entra em diálogo directo com o espectador, numa redescoberta do naturalismo e da luz. Paulo está por terra e o cavalo ocupa quase todo o quadro, segurado por uma personagem de grande intensidade.” É precisamente na figura que delicadamente prende as rédeas do cavalo que o historiador encontra algumas das marcas mais significativas da pintura de Caravaggio: “Na sua obra tudo é mostrado no imediato, procurando captar um instante de particular intensidade, sem vergonha. As rugas deste velho não são escondidas, são utilizadas para reforçar a expressão. Não há nele o poder do idealizado, mas do que se pode tocar.” Vítor Serrão não esconde a dificuldade de escolher apenas um quadro de Caravaggio, um pintor que acompanha “desde sempre” e cuja obra teve oportunidade de ver “em directo” na sua quase totalidade. “É importante conhecer a história do quadro para o podermos compreender. Mesmo que as condições de iluminação ou a disposição não sejam ideais, também ajuda podermos vê-lo no seu lugar original”, explica. O historiador esteve indeciso entre “A Conversão de São Paulo”, criada para a Igreja de Santa Maria del Popolo, em Roma, e “A Morte da Virgem”, feita a pensar na Igreja de Santa Maria della Scala e que, devido aos sucessivos escândalos que a envolveram, acaba por ir parar à colecção do Duque de Mântua, a conselho de Pieter-Paul Rubens. Em ambas se prova que “não era um herético, mas um crente renovador”. Para Serrão, Caravaggio abre caminho ao grande barroco, servindo de referência a nomes como Georges La Tour e Diego Velázquez. “É um pintor fora de moda, fora de tempo, fora de corrente, e uma figura paradigmática do barroco. É, sem qualquer sombra de dúvida, uma das figuras mais revolucionárias da história da arte.” |
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