"Fort Wheeling" foi a última obra de grande fôlego assinada por Hugo Pratt, concluída pouco tempo antes da morte do artista italiano. Com a publicação pelas Éditions Casterman da segunda e última parte deste romance épico, encerra-se definitivamente um ciclo de aventuras de iniciação, vividas pelos pioneiros do Novo Mundo.
Em Outubro de 1995, quase 20 anos depois da publicação do primeiro volume de "Fort Wheeling", as Éditions Casterman deram por completo o ciclo americano de aventuras escritas e desenhadas por Hugo Pratt, ao editarem a segunda parte daquela obra.
O primeiro volume daquela obra começou a ser divulgado em 1962 na Argentina pela revista "Misterix", onde Hugo Pratt vivia na altura, mas só foi divulgada na Europa em 1976 pela Casterman, quando o autor italiano era já um artista consagrado.
"Wheeling demonstra o meu interesse pelas guerras da América do Norte, que começou quando eu era criança ao ler a trilogia de Zane Gray 'Betty Zane', 'The spirit of the border' e 'The last trail'", afirmou Pratt a Dominique Petitfaux ("De l'autre côté de Corto", Casterman, 1990).
Após uma longa interrupção, Pratt retoma a mesma série em 1973 no "European Cartoonist" e divulga algumas pranchas na revista "Métal Hurlant", compilando depois todo este material numa edição que surgiu com a chancela dos Humanoïdes Associés no ano de 1981. Era, no entanto, uma obra incompleta, e que só agora tem o seu epílogo.
Os protagonistas são, evidentemente, os mesmos: o jovem Criss Kenton e o seu irmão de sangue índio Tiny, a bela Mohena, o sinistro caçador de escalpes Lew Wetzel e o ambíguo Simon Girty, assombrosamente parecido com o próprio Pratt e, em alguma medida, o seu "alter ego" neste romance - "toda a gente diz isso, mas não pensei em mim ao desenhá-lo", afirma na citada obra - ombreiam com figuras históricas como Daniel Boone e outras, num tempo de partilha do continente norte-americano entre ingleses e franceses.
Ao longo das 100 páginas desta segunda parte de "Fort Wheeling" assistimos ao desenvolvimento muito peculiar de um universo que só na aparência é muito diferente daquilo que Pratt explorou em outras obras, e nomeadamente nas aventuras do seu mais consagrado personagem, Corto Maltese. Com efeito, a história de Criss Kenton e seus pares é, antes de mais, um percurso de descoberta e revelação - da dureza da vida, da impermanência radical das coisas e das pessoas, do carácter inexorável das leis da natureza - e da necessidade de o descobrir e aceitar em toda a sua dimensão e plenitude. Mesmo que isso implique a perda dos que são queridos, como o principal personagem tão dura e amargamente vem a experimentar.
A par deste percurso estritamente individual, o enredo da história decorre num contexto social, política e militarmente atribulado, quando as forças em presença no enorme continente norte-americano ainda disputavam a hegemonia e se assistia à emergência de uma nova consciência nacional no último quartel do século XVIII, a que é incarnada pelos jovens nascidos na América, que constituem o embrião da nova nação.
Na admirável harmonia entre estes dois fios condutores reside, bem vistas as coisas, o indizível encanto e sedução de uma obra através da qual Pratt nos disse sempre uma única e mesma coisa - o admirável mistério da vida, de que a existência humana não é mais do que uma componente essencial.
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