Segundo volume de “As Célticas”
Por: CARLOS PESSOA

Na frente de guerra do Somme, Corto Maltese desmascara uma espia alemã. E assiste impávido à morte do “Barão Vermelho” porque os heróis de carreira o deixam indiferente

“Mas por que é que as mulheres que me interessam estão sempre do outro lado da barricada?...”, interroga-se Corto Maltese no final do julgamento que condenou à morte “Lady” Rowena Welsh. O questionamento ocorre em “Sonho de Uma Manhã de Meados de Inverno” – uma das histórias do segundo volume de As Célticas, que hoje é posto à venda com o jornal PÚBLICO – e parece sublinhar um certo fatalismo na condição do herói criado pelo italiano Hugo Pratt. Este último, porém, persiste sempre em “trocar as voltas” aos estudiosos da obra, respondendo às questões que lhe são postas de forma mais ou menos desconcertante, mas invariavelmente desdramatizada:

“Não se pode casar Corto Maltese. O meu público feminino não quereria que Corto Maltese tivesse uma mulher fixa. É sobretudo por esse motivo que ele caminha de fracasso em fracasso [amoroso]. Mas mantém laços com mulheres.

” As mulheres não são osúnicos interlocutores do herói nas histórias celtas deste volume, publicadas pela primeira vez na revista francesa “Pif” em Março (“Sonho de Uma Manhã…”), Junho (“Côtes de Nuit e Rosas da Picardia”) e Julho (“Burlesca ou não entreZuydcoote e Bray-Dunes”) de 1972. No palco europeu da I Guerra Mundial, Corto trabalha para a contra-espionagem aliada, mas apenas para poder livrar os seus amigos Caïn Groovesnore e Trécesson das acusações de traição. Semanas antes, o herói movimenta-se na frente do Somme e assiste à morte do “Barão Vermelho” e ás da aviação
prussiana, Manfred von Richthofen. A pilhagem dos restos mortais do oficial pelos soldados, só para terem uma recordação do temível inimigo, inspiralhe um duro comentário: “Os heróis de carreira deixam-me completamente indiferente.”

Tal como Corto, também Pratt não manifesta a menor simpatia pelo “culto dos heróis”. A leitura dos clássicos da Antiguidade na juventude levaram-no a preferir “Heitor a Aquiles, porque tinha o sentido da família e não era invulnerável”, afirmou. “Hoje a minha concepção do herói coincide com a que eu tenho do homem-tal-como-ele-deveria-ser: um herói é aquele que consegue fazer frente a uma situação difícil conservando ao mesmo tempo uma certa ética. Guerreiro ou pacifista, o herói é aquele que consegue tornar-se ou manterse plenamente humano. O herói é o Homem.”

Quem não reconhece essas qualidades arquetípicas em Corto Maltese?