Os mitos celtas e germânicos são actualizados em aventuras que põem frente a frente dois mundos antagónicos. O herói está no meio e toma partido
“Dormir no interior do círculo desenhado
pelas pedras megalíticas de Stonehenge é
uma prerrogativa dos heróis, dos que não
têm onde reclinar a cabeça nas suas eternas
andanças pelos caminhos do mundo. Corto
Maltese é um desses seres, por quem a aventura
chega até nós, rodeada do mistério e do
encanto que só os criadores de eleição transportam
dentro de si.
Em "Sonho de uma Manhã de Meados de
Inverno", onde ocorre a situação descrita
(primeira publicação na revista francesa
"Pif", em Março de 1972), Corto Maltese
adormece e ao sonhar é convocado pelas
divindades da tradição celta, mobilizadas
pelas ameaças que pairam sobre a Inglaterra.
Aceita sem hesitações ser o agente
da intervenção divina nas coisas da Terra,
talvez porque, mais do que sonhar, ele seja
sonhado por outros, os que regem os destinos
da vida e da morte.
Os referenciais eternos da mitologia e dacultura celtas atravessam todas as aventuras do segundo volume de As Célticas, que amanhã será distribuído com o PÚBLICO. Num caso de forma mais evidente, como na história já mencionada, noutro mais discretamente,
como em “Burlesca ou não entre Zuydecoote e Bray-Dunes” (revista “Pif”, Julho de 1972), onde o teatro de sombras inicial se assume como uma fabulosa metáfora sobre a imemorial luta entre o bem e o mal, a luz e a sombra, o céu e a terra. Em qualquer dos casos, o que está presente é o eco que tais manifestações — celtas ou germânicas — produziram no criador de Corto Maltese. “Acho fabulosos esses mundos povoados por cavaleiros, fadas, feiticeiros e divindades em guerra. Gosto de me encontrar com Merlin, Morgana, Oberon, os Nibelungos ou as Valquírias. Se a mitologia celta me toca tanto é, sem dúvida, porque me parece misteriosa. Um herói irlandês mítico, Cuchulainn, que [o poeta] Yeats cantou, faz-me sonhar”, afirmou um dia Hugo Pratt.
Em pano de fundo, como se se tratasse deum cenário de grandes dimensões e efeitos
espectaculares, está a I Grande Guerra
Mundial, que é o espaço de movimentação
dos personagens em “Côtes de Nuit e Rosas
da Picardia” (revista “Pif”, Junho de 1972).
As opiniões do desenhador sobre a guerra
são límpidas: “É claro que a guerra é uma
idiotice, mas o problema é que por vezes é
necessário fazê-la, somos obrigados a travála. É sempre uma desgraça e uma má solução.
Toda a minha experiência da guerra leva-me
a dizer que é detestável. E a ideia de que para
ser homem é necessário ter feito a guerra é
absurda. É tipicamente uma ideia dos que
não sabem nada acerca da guerra.”não sabem nada acerca da guerra.”
Porquê, então, transformá-la em tema de
uma história aos quadradinhos? Responde
de novo Pratt: “Faço bandas desenhadas e a
guerra é um ponto de partida cómodo. Nas
minhas histórias coloco o que conheço bem:
as viagens, as mulheres e a guerra. De um
ponto de vista gráfico, os soldados têm o seu
interesse: antes da Segunda Guerra Mundial
os uniformes eram belos e originais.”
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