“É bom que saibas que a parte índia do meu sangue me deu a conhecer muita coisa deste universo”, escreve Boca Dourada numa carta a Corto contendo “algumas regras de conduta de sobrevivência” que provavelmente ele nunca levou a sério. A mesma atitude transparece no diálogo de despedida entre ambos em “Uma Águia na Selva”. Corto decide partir, porque não é daqueles “que ganham raízes”, ao que ela replica: “Tinhas aqui tudo o que procuras… Mas és cego como uma toupeira…” O marinheiro não muda de opinião, mas também não esconde a sua enorme admiração por aquela personagem única, que é simultaenamente a homenagem de Hugo Pratt a uma categoria de mulheres fascinantes que conheceu durante os anos em que viveu no Brasil.
Para Boca Dourada, uma das mais respeitáveis grandes sacerdotisas de todos os cultos secretos da América Latina, Corto Maltese é “o mais espantoso” representante de uma linhagem de marinheiros que começa no dia em que ela conheceu o seu bisavô, em Queimada. Mas também essa proclamada longevidade não é levada a sério pelo herói, o que lhe inspira esta apreciação: “À força de não levar nada para o trágico, [Corto] acaba por vezes por se tomar a sério, a não ser no que toca a assuntos de dinheiro, em que é de uma nulidade impressionante.”
Boca Dourada é temida pelos poderes que se lhe atribuem – o dom da vista dupla, capaz de um “olhado” susceptível de mergulhar em coma aquele a quem é destinado, ou de lançar uma maldição. No caso do herói, porém, tais poderes não parecem suficientes para o fazer descobrir um tesouro ou evitar a morte de um homem. Mas é igualmente conhecida por ser uma sensata mulher de negócios, co-proprietária da Financeira Atlântica dos Transportes Marítimos com Morgana Dias dos Santos Bantam, meia-irmã de Tristan Bantam e agente de espionagem comercial a favor dos ingleses.
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