Segundo volume de "A Balada do Mar Salgado"
Por: CARLOS PESSOA

Num acesso de fúria assassina, o Monge lança Corto Maltese para um precipício. Mas, como Ulisses, o herói é um marinheiro que segue de aventura em aventura.

O Monge acaba de saber a terrível verdade a respeito dos dois adolescentes salvos por Raspoutine no alto mar. Sem antecipar o desenlace da história e, com isso, retirar o prazer da leitura, dir-se-á apenas que as vidas de Pandora e Cain deixam de estar em perigo. Mas estas revelações obrigam o misterioso senhor da Ilha Escondida a alterar os seus planos. Decide partir para continuar com os ataques aos navios Aliados e quer que Corto Maltese siga com ele. A crueza e sinceridade das respostas do marinheiro - "se pudesse ir-me embora com o dinheiro [do tesouro] partiria imediatamente" - não o fazem mudar de opinião. Corto é o único em quem confia e, além disso, ao levá-lo consigo impede-o de "se armar em esperto com Pandora" na sua ausência. O marinheiro ri-se-lhe na cara e a partir desse momento os acontecimentos precipitam-se. Com as forças duplicadas pela fúria, o Monge arrasta Corto até um promontório, de onde o lança no abismo.

Durante algum tempo não se sabe o que lhe aconteceu, mas não há verdadeiramente razões para os leitores se inquietarem. No tabuleiro de xadrez em que os deuses decidem do destino dos mortais que eles criaram e por quem são sonhados, as trajectórias de Raspoutine, Pandora, Cain e Crânio seguem o seu rumo inexorável. Só Corto parece escapar de alguma forma a essa lógica implacável. Como Ulisses, o herói mítico de Homero, Corto Maltese é um marinheiro que vai de aventura em aventura, percorrendo assim os caminhos do mundo exterior e interior. Tal como nós, também ele sabe que nada lhe pode acontecer e é nessa atitude singular perante a vida, a morte e o perigo que reside uma das chaves do infinito encanto da criação de Hugo Pratt.