O herói percorre meia Ásia por um tesouro, mas este propósito esconde outro: salvar o seu
amigo Rasputine, que é a fi gura central da história.
Tudo começa em Rodes, onde Corto Maltese aceita involuntariamente
desempenhar o papel de segundo Marco Polo, trilhando rotas
antigas para encontrar o fabuloso tesouro de Alexandre, “o Grande”.
Não é a primeira vez que o herói parece vivamente animado por esse
propósito aventureiro, à primeira vista ambicioso e cúpido, mas na
prática desapaixonado e pouco veemente. Em “A Casa Dourada de
Samarcanda”, a aventura do marinheiro de Malta que começou a
ser publicada pela primeira vez, em simultâneo, nas revistas “(À
Suivre)” (França) e “Linus” (Itália) em Agosto-Setembro de 1980
(no caso francês, ininterruptamente até Fevereiro de 1981; no caso
italiano, interrompida na data anterior e só completada na revista
“Corto Maltese”, entre Outubro de 1983 e Abril de 1985), o objectivo
do herói de Hugo Pratt é outro – libertar o seu amigo Rasputine,
encarcerado na Casa Dourada de Samarcanda, que dá o título a esta
aventura. O complexo e contraditório relacionamento entre os dois
personagens atinge nesta aventura um ponto culminante, quando o
próprio Corto afirma, a respeito do ex-soldado russo, que “ninguém
sabe destruir melhor tudo o que se arrisca a assumir uma faceta
sentimental”. Hugo Pratt concorda:
“É verdade, mas é preciso que Rasputine seja mesmo assim. Há
momentos em que Corto é sensibilizado por coisas de uma forma
romântica, mas Rasputine chama-o à realidade. Quando ele não
está lá, ponho Corto a tomar banho de imersão ou um duche!”
Como se poderá constatar já na primeira parte da aventura, que
será distribuída amanhã com o PÚBLICO, toda esta vasta região
que o herói se propõe atravessar, até se deter junto à fronteira
entre o Afeganistão e o Império britânico das Índias, vive um
período de grandes convulsões. Os conflitos envolvem tanto as
nacionalidades locais – arménios, turcos, curdos – como diversas
potências estrangeiras (franceses, ingleses, soviéticos) desejosas
de partilhar os despojos do Império Otomano desmembrado na
sequência da Primeira Guerra Mundial. Para tornar a situação
ainda mais complexa, Corto descobre a sua parecença física com
um tal Chevket, amigo de Enver Pacha, coincidência que tanto
lhe traz apoios inesperados como o coloca na mira de inimigos
inesperados. Tudo isso lhe tinha sido, de alguma forma, anunciado
por Cassandra, a sua amiga grega, ao ler as borras do café: “A tua
vida corre perigo… Mas é estranho… Parece que te matas, embora
não se trate de um suicídio!!!” Mas, como de costume, o herói não
leva muito a sério as revelações que lhe dizem respeito.
A atitude de Corto é, de certo modo, uma resposta diferida à
intenção do próprio criador, que há muito tempo desejava desenvolver
a ideia do herói e do seu duplo: “A sua mãe [de Corto]
tinha-lhe dito – e a minha também dizia o mesmo – que é perigoso
encontrar o nosso duplo, porque um deles traz desgraça ao outro.
Pensei que isso era interessante… Tudo o que Cassandra lê nas
borras de café acontecerá no final da história. O fim da história
já está contido no princípio.”
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