Isabel Meirelles
Personagem estranho e frágil
ESPECIALISTA EM ASSUNTOS EUROPEUS

Corto Maltese é um personagem estranho, que pretende configurar o homem ideal. É um aventureiro cujos empreendimentos acabam sempre num final feliz, por mais perigosas que sejam as situações vividas por ele. Como as histórias têm sempre uma ligação à história real, esta banda desenhada é uma boa ficção em termos históricos concretos, permitindo compreender acontecimentos passados. Mas tem também uma vertente política que explica por que razão foi tão apreciada em alguns países, como a França.

De um ponto de vista mais íntimo, Corto Maltese faz-me lembrar um pouco o chefe dos gauleses de Astérix, mas com a diferença que o escudo é um boné e está em cima da cabeça do personagem, chegando mesmo a haver alguém que lho vá entregar quando o perde...

O herói é uma criatura frágil do ponto de vista dos afectos, nunca se envolve emocionalmente, é irreal, com uma perspectiva de amores impossíveis, quase assexuado. Não existir nele uma construção rigorosa ao nível emocional e dos afectos é a sua maior fragilidade. E depois está sempre irrepreensivelmente vestido, mesmo quando acaba de se salvar de um naufrágio...

Quando falo da estranheza de Corto Maltese, quero dizer que é alguém que não parece ter vida interior própria, mas apenas uma vida exterior traduzida nas inúmeras aventuras em que está envolvido com o seu amigo e cúmplice Rasputine. Como se trata de um herói cuja conduta se pauta por valores que não se sabe bem quais são, eu diria que é um individualista que não se integra num sistema social concreto.

É por isso que pouco importa se ele é uma figura simpática ou não aos olhos de todos, pois o que interessa é que leve a bom termo as suas aventuras.