Carlos Fiolhais - O apetite das viagens
PROFESSOR DE FÍSICA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

Tal como Corto Maltese gosto de viajar. Muitas vezes saí do meu quarto para ir correr o mundo. Mas nunca fui nem, porventura, chegarei algum dia a ir a tantos sítios da Terra como o marinheiro romântico nascido em Malta de um cruzamento entre a Andaluzia e a Cornualha. Por isso mesmo, gosto de viajar pelos seus álbuns de banda desenhada. É precisamente por a viagem poder ser todos os dias substituída pela ficção da viagem, pela imaginação da viagem, que tenho os álbuns de Corto à cabeceira no meu quarto. De resto, começa-se sempre por se viajar no próprio quarto. O romântico Almeida Garrett intitula o primeiro capítulo das suas “Viagens na Minha Terra”, inspirado nas “Viagens à Volta do Seu Quarto” de Xavier de Maistre: “De como o autor deste erudito livro se resolveu a viajar na sua terra, depois de ter viajado no seu quarto.” E, tal como Garrett sai do seu quarto (“Que viaje à volta do seu quarto quem está à beira dos Alpes, de Inverno, em Turim, que é quase tão frio como S. Petersburgo — entende-se. Mas com este clima, com esse ar que Deus nos deu, onde a laranjeira cresce na horta, e o mato é de murta, o próprio Xavier de Maistre, que aqui escrevesse, ao menos ia até o quintal.”), também a mim, depois de ler o Corto, me apetece viajar, partir à aventura. Os álbuns do Corto despertam-me, como nenhuns outros, o apetite das viagens. Perto deles, numa estante do meu quarto, estão uns volumes antigos da revista “Corto Maltese” e um número especial da revista “Geo” dedicado a Corto: têm marcas que me recordam viagens que sonhei fazer e ainda não fiz. Ah, ainda um dia me hei-de aventurar, na realidade, aos sítios fantásticos onde o Corto, em ficção, se aventurou...