Em trânsito para o palco europeu da I Guerra Mundial,
Corto Maltese tem uma fugaz passagem por Veneza. Depois
dá um salto a Dublin para ajudar os independentistas irlandeses
Os revolucionários do Sinn
Fein acabam de realizar mais
uma operação militar contra
o Exército inglês nas ruas de
Dublin. Um sombrio major O’Sullivan acalma os seus
nervosos soldados e evita o
pior a um fleumático Corto
Maltese, que estava por perto
no momento do confronto. “Teve sorte... Podia ter deixado
aqui a pele esta noite”, diz-lhe o oficial. Sem um único sinal no
rosto que revele as suas emoções,
o marinheiro de Malta
responde-lhe com total serenidade
e seriedade: “Impossível...
Ainda não decidi a data da minha
morte...”
Esta situação passa-se em “Concerto em O Menor para
Harpa e Nitroglicerina”, uma
das histórias que compõem o
primeiro volume de As Célticas,
distribuído com a edição
de hoje do PÚBLICO. Como
se verá pelo desenrolar da
narrativa, não será a única
circunstância em que o herói
mexe audaciosamente nos fios
do destino naquela que é uma
das mais borgesianas bandas
desenhadas de Hugo Pratt.
Glosando o tema do herói e do traidor com uma notável
mestria, o criador
italiano desenha
em poucas pranchas
a intrincada teia de
relações que se estabelecem,
em tempo
de guerra e de sombra,
de ambiguidade
e ilusão, entre todos
os protagonistas desta
tragédia irlandesa.
Proveniente da
América do Sul, Corto
Maltese evoluirá durante os anos de 1917 e 1918
pelos vários palcos de guerra de um continente destroçado. Tal como
em Dublin, também em
Veneza (“O Anjo da Janela do
Oriente”) e no palco da batalha
do Caporetto (“Sob a Bandeira
do Ouro”) adoptará em todas as
circunstâncias — incluindo as
mais extremadas — a mesma
atitude distanciada de sempre.
Nela, os seus inimigos lêem a
manifestação de uma insuportável
arrogância e sobranceria.
E os amigos nunca se habituarão
de todo ao seu imprevisível
sentido de humor. Mas
passado o primeiro momento
de perplexidade, aceitam-no
tal como ele é.
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