Nenhum outro momento será tão intensamente melancólico e
triste como aquele que é vivido entre Corto e Banshee numa praia
irlandesa batida pelo vento e sobrevoada pelas gaivotas. Corre o
ano de 1917 e os fragores da insurreição do Domingo de Páscoa
do ano anterior, em Dublin, ainda não se dissiparam
por completo.
— Partes, Corto Maltese?
— Sim...! Queres vir comigo?
— Chamo-me Banshee, lembras-te?... Dou
azar. Dei azar aos dois homens que amava...
Não posso correr esse risco contigo... E depois
a Irlanda ainda precisa de todos os seus... Adeus,
Corto...
Banshee O’Donann era mulher de Pat Finnucan,
um herói-traidor da causa irlandesa. Militante
revolucionária do movimento Sinn Fein, tem um
nome próprio cujo significado ela revela ao herói
num dos fugazes encontros entre ambos. As “banshee”,
explica a jovem com uma ironia amarga, são
feiticeiras de mau agouro para quem as encontrar, sobretudo se
estiverem em cima de uma torrente — como era o caso na situação
descrita. Banshee espera que sejam apenas os ingleses e os
traidores da causa irlandesa as vítimas dessa acção funesta. Mas
nada na sua vida é o que parece já que, sem o saber, recai sobre
si um pouco desse funesto destino fixado pelos deuses — de
facto, ela casa com o herói oficial irlandês que se vendeu aos
ingleses e passa a odiar o símbolo humano do colaboracionismo
que, afinal, oculta o verdadeiro mártir.
Não voltam a encontrar-se, embora a bela irlandesa
nunca mais tenha esquecido esse breve encontro que
mudou toda a sua vida. Numa carta escrita dois anos depois,
mas que nunca ousou enviar a Corto, Banshee evoca
a última imagem que teve do marinheiro, “a de uma
longa silhueta encostada a uma duna”, formando “umúnico corpo com o horizonte e só as aves marinhas assinalavam
a tua presença”. Acaba os seus dias na
verde Irlanda, no país dos Tuetha de Danann,
reis mágicos da mitologia celta.
|