Segundo volume de “A Casa Dourada de Samarcanda”

Corto Maltese é eliminado por Rasputine, o “anjo vingador” que resolve tudo pela violência. E nem sequer a pequena arménia protegida pelo marinheiro escapa à sua fúria

Há gestos de amizade que se pagam com outro gesto de amizade. Corto Maltese resgata o seu amigo Rasputine da prisão – de facto, não é ele, mas o general turco Chevket, seu sósia… – e o ex-soldado russo elimina a “sombra” do herói sem a menor hesitação ou remorso. Assim morre o homem que parece preceder sempre o marinheiro de Malta e, simultaneamente, trazer-lhe incompreensíveis transtornos e dificuldades. Hugo Pratt estabeleceu a narrativa deste modo porque, revelou numa entrevista ao seu biógrafo Dominique Petitfaux, “Corto Maltese não pode encontrar o seu duplo”: “E quando Rasputine mata Chevket, para ele é um pouco como se matasse Corto, é uma espécie de desvario.”

Aquele episódio decorre no segundo volume de “A Casa Dourada de Samarcanda”, banda desenhada que hoje é distribuída com o PÚBLICO. Esta história começou a ser publicada pela primeira vez, em simultâneo, nas revistas “(À Suivre)” (França) e “Linus” (Itália) em Agosto-Setembro de 1980. No caso francês, a divulgação ocorreu ininterruptamente até Fevereiro de 1981; no caso italiano, a publicação foi interrompida nesta última data, tendo sido completada na revista “Corto Maltese”, entre Outubro de 1983 e Abril de 1985.

Numa história dura e violenta – a vasta região atravessada por Corto Maltese é flagelada por conflitos extremos que opõem diferentes nacionalidades (turcos, arménios e curdos) e palco da acção contraditória de potências estrangeiras com ambições expansionistas, como os ingleses, os franceses e os soviéticos – o artista italiano não resiste a introduzir pequenos elementos divertidos. É o caso de Sevan Vartkès, a pequena arménia confiada ao herói e que este leva consigo para Veneza no final da aventura, que estabelece uma curiosa relação de cumplicidade com Rasputine, a quem chama “tio Raspa” para grande desespero deste. “Rasputine não encontra razão alguma para ser simpático com ela só porque é rapariga: ele é duro com toda a gente”, justificou Hugo Pratt.