A
Pantera de Jacques Tourneur
Quinta-feira, 15 de Dezembro de 2004
Por Rui Pedro Vieira
Uma antiga maldição transforma uma mulher num
perigoso felino. Neste clássico obscuro, os efeitos especiais
dão lugar ao poder da sugestão.
O ambiente é denso e possui alguns traços expressionistas
(mérito da fotografia de Nicholas Musuraca). O que sobressai em
"A Pantera/Cat People" (1942) é, apesar disso, o desejo de contar
uma história que começa como um romance disfuncional e termina
na envolvência do terror dissimulado. Pela primeira vez, um filme
norte-americano apresentava a sensualidade feminina como um sinal
de morte, uma teia de onde dificilmente se conseguiria escapar.
Irena Dubrovna (Simone Simon) é uma desenhadora
de moda que vive em Nova Iorque. Tímida e de poucas falas, gosta
de passar a maior parte do tempo junto à jaula das panteras, no
Jardim Zoológico que fica perto da sua casa. Apesar de residir
em solo americano, Irena nasceu na Sérvia e não se consegue libertar
de uma lenda medieval do seu país que fala de "mulheres-pantera",
seres que apenas com um beijo se podem transformar em felinas
dispostas a aniquilar quem se atravesse no seu caminho.
O arquitecto Oliver Reed (Kent Smith), numa tarde
em que passeia pelo Zoo, repara na protagonista, que está, mais
uma vez, a desenhar junto à jaula dos felinos. Os dois apaixonam-se
e acabam por casar, mas a união não se consuma porque Irena mantém
uma estranha distância da pessoa que diz amar. A solução para
os problemas conjugais pode passar pelas consultas com o psiquiatra
Louis Judd (Tom Conway) que, entretanto, se deixa arrastar pela
sedução da mulher atormentada.
Aos poucos, os comportamentos de Irena tornam-se
mais sombrios e o casamento está seriamente ameaçado. A presença
de Alice (Jane Randolph), colega de trabalho do marido, deixa
perceber as suspeitas de infidelidade e isso só vai complicar
a agonia da protagonista. Para quem pensava que a "mulher-pantera"
era apenas uma lenda sem fundamento, as mudanças sofridas por
Irena vão revelar tragicamente o contrário.
O realizador Jacques Tourneur conseguiu transformar
"A Pantera" num conto intimista e assustador, tirando partido
dos jogos de sombras e dos ruídos dispersos para anunciar a mutação
da personagem principal. O filme foi produzido com um orçamento
reduzido (cerca de 134 mil dólares), mas alcançou um êxito considerável
junto do público e da crítica. A indústria de Hollywood parecia
finalmente reparar no talento dramático de Simone Simon, uma estrela
francesa que parecia destinada a entrar em produções medíocres.
O seu olhar reluzente e a forma arrastada como falava acabaram
por ficar para sempre associados à imagem de "catwoman".
Hoje, "A Pantera" é considerado um clássico do
terror enigmático e metafórico, com a cena passada numa piscina
a ser recordada como um marco do "suspense". O cinema nunca mais
foi o mesmo a partir do estilo nebuloso de Jacques Tourneur, que
acreditava no poder da sugestão como fórmula perfeita para levar
o espectador a sentir a instabilidade do medo.