"Cega Paixao", de Nicholas Ray
Por RUI PEDRO VIEIRA
Quarta-feira, 17 de Novembro de 2004

Neste drama "noir", um polícia percebe que nem sempre a companhia é inimiga da solidao

Cega Paixao/On Dangerous Ground" (1952) começa por ser um filme sobre as rotinas instáveis de um solitário agente policial. Mas aquilo que parece seguir a estrutura de uma obra de mistério transforma-se num drama romântico entre uma mulher cega e um homem que nao quer ver. Este é um dos trabalhos menos conhecidos de Nicholas Ray, embora seja um dos melhores testemunhos do estilo delicado e sóbrio do realizador de "Fúria de Viver" e "Johnny Guitar".

"Nao te preocupas com os outros, pois nao?" A pergunta retórica, feita por um dos seus colegas da esquadra, persegue a mente de Jim Wilson (Robert Ryan) e atormenta-o nos momentos em que se sente só. A profissao desfez-lhe as convicçoes, mas o agente nao a consegue largar por um minuto.

Numa prateleira do seu desconfortável apartamento figura uma taça para "o atleta mais versátil", mas as habilidades desportivas há muito que foram substituídas pela melancolia e pela violencia excessiva que inflige nos criminosos que ajuda a capturar. Wilson é um "outsider" e, por estar cada vez mais desfasado da realidade urbana, é obrigado pelo seu chefe a deslocar-se as montanhas geladas de Westham para investigar o assassinato de uma jovem, atacada a caminho da escola.

A noite da cidade dá lugar ao dia luminoso e frio do campo. É neste ponto que a história de "Cega Paixao" sofre uma reviravolta. Ao perseguir o principal suspeito do crime, Wilson conhece Mary Malden (Ida Lupino), uma cega que o acolhe em sua casa com uma inesperada simpatia. O polícia sabe que Malden esconde o criminoso, mas respeita as suas atitudes e escuta com atençao as teorias de que,"por vezes, os mais acompanhados sao também os mais solitários".

Depois de solucionar caso de homicídio, Wilson tem uma missao ainda maior: resolver as suas fraquezas e descobrir que o amor se pode manifestar das maneiras mais estranhas. Na tarefa de explorar as missoes arriscadas do protagonista, a banda sonora de Bernard Herrmann dá uma preciosa ajuda. As melodias sufocantes nao estao muito distantes das que Herrmann acabaria por compor, sete anos depois, para o clássico "Intriga Internacional", de Alfred Hitchcock.

Neste "film noir" marcado por uma bifurcaçao narrativa, Nicholas Ray nao desdenha nenhum dos lados, que se conjugam para recuperar o protagonista da lassidao. Robert Ryan e Ida Lupino estao sublimes em dois retratos aparentemente opostos, transfigurando-se em funçao de um destino que parece chamar por eles. A sua volta estao as sombras e as memórias, que a câmara de Ray capta com minúcia.

"Cega Paixao" é um novelo psicológico que se desenrola em funçao de um perdedor, aspecto muito recorrente na obra do realizador de "Fúria de Viver" - a exemplo do papel de James Dean neste mesmo filme.

 

 
"O Mundo a Seus Pés"
DE ORSON WELLES

"Um clássico que revolucionou a indústria artística, nos seus reflexos de testemunho e de onirismo. A partir dele, nada se adiantou - sobre os desígnios do poder, a influencia dos meios de comunicaçao, a vagabundagem visionária, os mistérios e os fantasmas da infância..."
"As Duas Feras"
DE HOWARD HAWKS

"O exemplo perfeito das 'screwball comedies', num requinte de ambiguidades morais e sexuais. Um prodígio quanto a narrativa e ao diálogo, ao tempo de acçao, aos efeitos de surpresa, ao absurdo dos artifícios, ao carisma extravagante dos intérpretes."
"Os Dominadores"
DE JOHN FORD

"Uma vibrante celebraçao da saga 'western', tendo John Wayne num dos seus mais formidáveis desempenhos, com a fenomenal reavaliaçao de Ford, em que ao envolvimento de massas se recorta, afinal, o vulto solitário dos protagonistas."
"King Kong"
DE MERIAN C. COOPER E
ERNEST B. SCHOEDSACK


"Épico do terror-fantástico, e um dos clássicos primordiais de culto, mantém um sortilégio essencial: em magia, exotismo, aventura, 'suspense', pulsao erótica em que se transcende o mito entre a bela e o monstro. Eis o espectáculo virtual por excelencia."